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Gregos dizem “não” à austeridade 

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Aprende-se na escola que a democracia tem origem grega, nos remotos tempos da Antiguidade. Nesse ano de 2015, a Grécia está voltando a surpreender a Europa e o mundo em termos de invenção democrática. Em janeiro, o eleitorado grego elegeu a Syrisa (Coalizão da Esquerda Radical) para comandar a democracia parlamentarista daquele país. A emergência desse partido, com cerca de apenas dez anos de existência, e sua vitória é a primeira invenção democrática grega consagrada no ano corrente. Na ocasião, escrevi nessa coluna que a esperança vencera o medo. A segunda invenção, de conteúdo histórico, ocorreu no último domingo, quando, novamente, da urna de votação, transmutada em caixa de Pandora, reemerge vitoriosa a esperança, reafirmando o “não” ao medo e outros males da austeridade.

61,3% dos votantes aderiram ao “não”, 31,7%, ao sim. Segundo o ministro da Economia da Grécia, autoridades do Eurogrupo, em especial do Banco Central Europeu, praticaram terrorismo, amedrontando os gregos, ao forçar no sentido do fechamento dos bancos, negando-lhes assistência financeira, para tentar pavimentar, a duras penas, a vitória do “sim”. Isso deixou a população em uma situação de penúria de recursos ainda maior do que a reinante há seis anos. Apesar da luta ferrenha do capital para subordinar a democracia grega, os eleitores disseram “não”. E não se trata de um “não” à união monetária, à zona do euro e à União Europeia, mas à austeridade. 

Ademais, não dá para deduzir, com base em algum modelo matemático, as consequências políticas e econômicas desse “não”. Não necessariamente esse resultado significará, pura e simplesmente, a saída da Grécia da zona do euro. Embora essa seja uma possibilidade, decepar membros da união monetária é politicamente complicado para a segurança do euro. Nem, tampouco, o “não” levará os credores a aceitar a redução da dívida grega em 30% e o prazo de pagamento em 20 anos, como quer o premiê Alexis Tsipras. Nem significa que os bancos reabrirão para os saques, pois os recursos em caixa, como diria Lula, estão no volume morto. Não se sabe também quais as consequências no mercado financeiro do calote da parcela que venceu no dia 30 de junho, ou seja, qual será a dimensão de seu efeito dominó.

O que precisa ser destacado, do ponto de vista da análise política, é precisamente a novidade histórica do surgimento de uma força nacional e democrática de resistência ao receituário padrão de austeridade, que, diferentemente do que pregam seus defensores, não tem tido efetividade na recuperação da atividade econômica e na retomada das políticas de bem-estar. Pelo contrário, ele tem caminhado exatamente na contramão dessas duas metas, gerando enorme recessão, altíssimo desemprego e mal-estar social. Além disso, a dívida pública grega teve uma trajetória de elevação durante o ajuste, e não de queda. Os gregos escolheram soberanamente, em 1999, pertencer à União Europeia e à zona do euro, mas eles também decidiram participar de uma Europa unida, para todos, solidária, democrática, com igualdade e liberdade. 

Assim se expressou o grande filósofo grego Aristóteles: “A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.” Domingo, os helênicos optaram entre duas alternativas: continuar navegando em um mar de dificuldades, remando em galés de uma União Europeia que os subordina e humilha, ou enfrentar o oceano turbulento e os insensíveis adversários conduzindo suas próprias embarcações? A segunda opção, vitoriosa e historicamente relevante, é nacionalmente mais digna, condizente com uma Europa solidária e coerente com a vitória democrática da Syrisa nas eleições de janeiro. 

Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.