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Grécia sitiada

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Há um impasse em torno da negociação da dívida pública da Grécia. De um lado está o Eurogrupo, representando as autoridades da Eurozona, de outro, o governo liderado pela Syrisa (sigla de Coalizão da Esquerda Radical), empossado em janeiro, tendo à frente o primeiro-ministro Alexi Tsipras. A negociação atual gira em torno das exigências dos credores para a liberação do acesso do governo grego a € 7,2 bilhões, última parcela de um pacote de socorro de € 240 bilhões, que a coalizão governista anterior, o ND-PASOK, negociou, em 2010, com o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Enquanto o socorro foi concedido mediante exigências de reformas baseadas na austeridade fiscal e na desregulamentação da economia, a Syrisa elegeu-se apoiada no discurso da antiausteridade. As negociações, nos últimos dias, chegaram a um impasse. As instituições financeiras estão sitiando a Grécia, condicionando a liberação do dinheiro à implementação, pela Syrisa, de mais do mesmo que vem sendo feito há seis anos: um novo plano de austeridade. A situação é tão grave que a chance de uma saída da Grécia da zona do euro está aumentando muito. 

Hoje, dia 30 de junho, vence uma parcela de € 1,6 bilhão de dívida com o FMI. Para evitar o calote, a Grécia precisa da liberação da última parcela do pacote de socorro. A derradeira proposta do Eurogrupo, apresentada na semana passada na forma de um ultimato, determina o aprofundamento imediato das políticas de austeridade: intensificação da desregulamentação do mercado de trabalho, mais reforma previdenciária, cortes nas pensões e nos salários dos funcionários públicos, aumento de impostos e eliminação de incentivos fiscais ao turismo nas ilhas gregas. Trata-se de uma poderosa e perversa opressão do FMI e do BCE, chancelada pelo Eurogrupo, contra a nação grega, um desprezo impiedoso dos esforços do governo de esquerda, recém-eleito, no sentido de fazer concessões aos credores para evitar o impasse atual. Antes do ultimato, o Eurogrupo rejeitou a proposta do governo grego de realizar um ajuste fiscal de € 7,9 bilhões até 2016, em troca da liberação da última parcela do pacote de socorro. 

Diante da intransigência das autoridades da zona do euro, Tsipras formulou ao parlamento grego, no dia 26, a proposta de convocação de um referendo, agendado para 5 de julho, visando que a população do país se posicione sobre as novas exigências. Afinal, esse governo foi eleito em função da rejeição do eleitorado grego às políticas de austeridade, cujos custos, mais do que ninguém, eles pagaram nos últimos anos, sem que viessem os benefícios. 

Mas, no dia 27, as lideranças políticas da zona do euro reuniram-se novamente em Bruxelas e recusaram o pedido do governo grego de adiar em uma semana o prazo de pagamento da parcela da dívida que vence hoje, até a realização da consulta democrática. De qualquer modo, ainda no dia 27, o parlamento grego aprovou a realização do referendo. Ao que tudo indica, Tsipras espera que a cidadania grega rejeite a austeridade, o que, se ocorrer, das duas uma: ou abrirá o caminho para a saída da Grécia da zona do euro ou forçará os credores a aceitar outros termos de negociação da dívida pública. O governo heleno está isolado entre os demais 18 países membros da Eurozona que compõem o Eurogrupo. O risco do calote aumentou muito e a população grega tem sacado seus recursos dos bancos nos últimos dias.

Além da questão da feroz intransigência dos credores, mais relevante ainda é observar as insuficiências institucionais da Eurozona, uma união monetária, que emite e compartilha uma moeda única sem que haja, na mesma proporção, por assim dizer, uma união política. Há uma contradição entre interesses nacionais – como são os interesses dos bancos credores, que pressionam seus respectivos governos, estes, por sua vez, preocupados com suas bases eleitorais – e interesses comuns europeus. Falando mais claramente, o governo da Alemanha, o principal país da Eurozona, está mais preocupado em responder aos interesses dos bancos e investidores germânicos e com sua sobrevivência político-eleitoral do que em atuar como liderança política a serviço do interesse comum europeu, do qual a Grécia, formalmente, faz parte. Por outro lado, os bancos alemães, desde a rodada de renegociação da dívida grega realizada em 2012, diminuíram sua exposição aos títulos públicos da Grécia, tendo, no entanto, mantido ou direcionado seus ativos nas empresas helênicas.

O caso grego configura, na Eurozona, uma contradição entre democracia nos países membros e poder econômico, entre soberania nacional e supremacia das instituições financeiras regionais, entre união monetária e desunião política. Vale a pena conferir o desfecho dessa tragédia grega (ou europeia?) em torno da austeridade fiscal que ronda o mundo. O Brasil atual sabe bem disso, embora os custos aqui, apesar de dolorosos, sejam bem menores que os da Grécia. Para a centro-esquerda e a esquerda, o desafio de governar o capitalismo é dificílimo. Oxalá novos tempos se descortinem lá e cá.

Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.