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Revitalizar o “Conselhão”

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Apesar das ofensivas da oposição, as aprovações, pelo Congresso Nacional, da mudança na meta de superávit primário para 2014 e, pelo Tribunal Superior Eleitoral, das contas de campanha da candidatura de Dilma Rousseff propiciam à cúpula governamental um relativo alívio para prosseguir na escalação da nova equipe ministerial e operar os demais preparativos para o segundo mandato. No discurso da vitória, em 26 de outubro, a presidente Dilma disse que seu primeiro compromisso será o diálogo. Nessa perspectiva, as instituições participativas de concertação entre atores sociais e de proposição de políticas públicas jogam um papel fundamental, sendo este o caso do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), ou “Conselhão”, como ficou conhecido. 

O CDES foi criado por Lula, em 2003, composto por lideranças sindicais, empresariais, sociais e religiosas, intelectuais das ciências e das artes, personalidades dos esportes e militantes das causas da cidadania. Sua “Primeira Carta de Concertação”, de 13 de fevereiro de 2013, dizia: “A vitória do atual Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no processo eleitoral de 2002, amparado numa ampla aliança de classes sociais, diferentes partidos e vontades políticas plurais, oferece uma oportunidade ímpar para a sociedade brasileira [...] O processo de concertação, que ora iniciamos, pressupõe a busca, através do diálogo e do debate, de diretrizes e propostas consensuais ou majoritárias em questões estruturais para o desenvolvimento econômico e social do Brasil”. O documento explicitava também o entendimento de que consenso e conflito entre os atores da aliança em constituição não eram, e realmente não são, mutuamente excludentes. A “Segunda Carta de Concertação”, de 10 de abril de 2003, assim prosseguia: “Queremos [...] avançar na construção de um grande acordo. Um novo pacto firmado entre forças políticas, representações empresariais, sindicais e de vastos setores da sociedade civil. Este avanço deve estar informado pelos debates que travamos, sem a ilusão de que não temos divergências, mas a partir da confiança de que é possível estabelecermos marcos de consenso: um espaço comum no interior do qual podemos disputar posições, em busca de um sentido aceito por todos e que fundamentará as nossas ações políticas”.

Nos dois mandatos de Lula, o “Conselhão” desempenhou um papel importante. Formulou, entre outros trabalhos, a “Agenda Nacional de Desenvolvimento”, comprometida com “uma ampla e pública discussão sobre as alternativas políticas para a superação dos entraves estruturais ao desenvolvimento nacional”. Foi no CDES que surgiu a proposta do Fórum Nacional do Trabalho, sendo um de seus desdobramentos o reconhecimento das centrais sindicais (Lei nº 11.648/2008), que alavancaram a política de valorização do salário mínimo. De suas entranhas emergiu também a sugestão de criação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, para fins de gestão da política industrial. O CDES participou, direta ou indiretamente, no processo de produção de políticas públicas importantes em diversas áreas, como as reformas tributária e previdenciária, combate à desigualdade, política de crédito, incentivo às micro e pequenas empresas, agricultura familiar, habitação (Programa Minha Casa Minha Vida), educação, energia, segurança pública (Programa Nacional de Segurança Cidadã – Pronasci) etc. 

No primeiro mandato de Dilma, o “Conselhão” continuou a existir, mas perdeu o protagonismo que teve entre 2003 e 2010. A revitalização do CDES é fundamental para articular politicamente a retomada do crescimento, com geração de emprego, distribuição de renda e inclusão social. A mudança na relação de forças produzida em 2003 continua em pé, aproximando estruturalmente capital produtivo e trabalho assalariado. A duas vitórias de Lula e a eleição e reeleição de Dilma tem a ver com a nova relação de forças. No entanto, esse ambiente favorável à coalizão precisa ser devidamente convertido em instituições de concertação para maximizar seu potencial de impulsionar as políticas do social-desenvolvimentismo, a começar pelo crescimento econômico – de onde provêm as rendas do capital, do trabalho e do Estado –, especialmente no setor industrial, que propicia melhores empregos e salários, novas tecnologias e divisas de exportação. As bases estruturais da coalizão devem operar como alavanca sociopolítica de ações que promovam a sua conversão em organização institucional. Nessa empreitada, o papel das lideranças políticas é chave. A coalizão apenas no plano do presidencialismo de coalizão não é suficiente e nem capaz de dar conta das profundas tarefas de transformação no Estado, na sociedade, na política e na economia requeridas por um processo de desenvolvimento conduzido em contexto democrático, com a ampliação das bases sociais dos interesses envolvidos, em uma nação complexa como é a brasileira.

Como já referido, não se trata de negar ou sonhar com a eliminação do conflito entre as classes e frações. O conflito é inerente ao capitalismo. No entanto, a conjuntura aberta em 2002 e 2003 explica-se pela crise das políticas neoliberais no Brasil e na América do Sul. Uma alternativa de centro-esquerda, encabeçada, na esfera partidária, pelo PT venceu as eleições e constituiu um governo de coalizão entre frações do capital produtivo e trabalhadores, portador de um mandato político-programático de corte social-desenvolvimentista, decorrente da nova relação de forças. No entanto, a coalizão neoliberal não sumiu do mapa, está aí, conseguiu um bom desempenho nas últimas eleições e faz oposição raivosa ao governo Dilma. A melhor resposta à coalizão neoliberal – que já logrou emplacar o novo ministro da Fazenda e manifesta arroubos direitistas – é a constituição mais breve possível das condições para a implementação de uma política econômica e de desenvolvimento de corte social-desenvolvimentista, concertada, democraticamente, entre frações do capital produtivo, trabalhadores, demais representações da sociedade civil e, é claro, partidos e parlamentares do Congresso Nacional. Nessa perspectiva, o CDES é uma instituição com papel estratégico a cumprir, ao lado de outros arranjos participativos que também ficaram em segundo plano no primeiro mandato. Propostas políticas acordadas no CDES chegam ao Congresso com maior base de apoio. Oxalá, já na posse de Dilma 2, tenhamos um Ano Novo de boas novas, com o “Conselhão” revitalizado organizando a concertação social e política. Se a presidenta fizer isso, cumprirá a promessa de priorizar o diálogo.

Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.