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Concertação política para o desenvolvimento 

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Crescer ou crescer. O crescimento é um imperativo. Sem ele, conquistas atuais como o elevado nível de emprego e a melhora da renda per capita das famílias podem regredir, a arrecadação do Estado tende a minguar e os gastos com as políticas sociais podem ser pressionados. O crescimento é um dos principais móveis do desenvolvimento, processo que envolve mudanças de vários tipos, nas estruturas produtivas e sociais, nas instituições públicas e privadas, em todos os níveis da educação etc. A abrangência do processo de desenvolvimento torna-o um empreendimento político por excelência, um desafio nacional, de modo que ele requer direção política e coalizão sociopolítica.

Em minha disciplina acadêmica, que é a ciência política, os pesquisadores atuais que se referem à perspectiva de coalizão, em geral, dão a ela um enfoque político-institucional. O termo mais comum nesse tipo de abordagem é “presidencialismo de coalizão”. Quando esse conceito foi usado seminalmente por Sérgio Abranches, tal coalizão político-institucional foi explicada com base em uma abordagem de forte recorrência a fatores históricos e sociológicos da sociedade brasileira. Em tempos atuais, muito dessa sociologia política foi abandonada. Por outro lado, coalizão pode ter uma dimensão mais ampla que a político-institucional, uma dimensão que também envolve a esfera sociopolítica, as classes e frações, os interesses sociais, organizados e não organizados. Enfim, uma coalizão, se considerarmos seus propósitos e seu impacto, envolve o Estado como um todo, na condição de pacto de dominação, regime, aparelho e produtor de políticas públicas. A dominação do Estado é inseparável dos vínculos políticos historicamente constituídos das elites políticas e da burocracia pública com as forças e interesses sociais. Tais vínculos ocorrem em determinados ambientes político-institucionais (democracia, autoritarismo etc), contam com bons ou maus recursos organizacionais e humanos e têm a finalidade de responder, através de políticas públicas, acima de tudo, aos interesses das forças mais capazes de se fazer presente na coalizão sociopolítica dominante e de dar direcionamento às ações do Estado.

Não há Estado e desenvolvimento sem coalizão. No Brasil Republicano, observa-se uma coalizão oligárquica na Primeira República, inserida em um modelo agroexportador. Porém, a modernização industrial abre-se com uma coalizão nacional-desenvolvimentista no pós-1930 e prossegue na tríplice aliança, costurada no governo Juscelino Kubitschek, mas consolidada durante o regime militar implantado em 1964. Após o colapso do Estado nacional-desenvolvimentista e de sua aliança sociopolítica constitutiva, no início dos anos 1980, há uma perda de rumo, a década perdida. Uma tentativa de reorganização do Estado se deu com a coalizão neoliberal, nos anos 1990, tendo como carro-chefe o Plano Real. Seu insucesso abriu as portas para a ação política do então oposicionista PT, que, desde a candidatura de Lula, em 2002, sinalizou no sentido de uma coalizão social-desenvolvimentista, que se expressou a partir de 2003. Após vários sucessos, essa coalizão, de estrutura mais ou menos formal e também informal, encontrou obstáculos importantes para avançar no governo Dilma, sobretudo em função de não conseguir alcançar um adequado nível de crescimento.

Enquanto nos governos de Lula a estratégia de concertação social e política ganhou prioridade, sobretudo através do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e das Conferências Nacionais de Políticas Públicas e Direitos, toda essa complexa estrutura institucional de diálogo do Poder Executivo com a sociedade civil organizada foi deixada em segundo plano no governo Dilma, o que ajuda a explicar os problemas políticos enfrentados, expostos, entre outros, na recém-finda e acirrada disputa eleitoral. Até 2010, várias das medidas que chegaram ao Congresso Nacional, como, por exemplo, o reconhecimento das centrais sindicais (Lei nº 11.648/2008), a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas (Lei Complementar nº 123/2006), o Programa Minha Casa Minha Vida (Lei nº 1.977/2009), enfim, tiveram origem em debates e proposições dos fóruns institucionais de concertação social.

Porém, em seu discurso da vitória, na noite de 26 de outubro, a presidenta Dilma Roussef afirmou que o compromisso número um de seu segundo mandato será o diálogo. Disse também que vai dar impulso à atividade econômica, em especial ao setor industrial. Além disso, a presidenta levantou bandeiras que dialogam com a esquerda petista e social, como a reforma política, a questão da regulação da mídia e a criminalização da homofobia. Essas diretrizes, se forem implementadas, são promissoras. A chave está no diálogo. É através dele que pode haver um melhor encontro entre governo e interesses sociais. A política social tende a ficar comprometida sem a retomada do crescimento. Por outro lado, o fortalecimento da industrialização é essencial. A indústria é o motor do progresso técnico, da inovação, pode gerar empregos de melhor qualidade, tende a pagar melhores salários que a agricultura e os serviços e seu fortalecimento, seja no mercado interno como no externo, pode reduzir a vulnerabilidade externa, o déficit em transações correntes.

Enfim, o diálogo é o caminho para o fortalecimento da coalizão ou pacto social-desenvolvimentista, que tem um corte estrutural social-democrático, devido à presença dos trabalhadores e organizações populares na cena política, interessados em um modelo de capitalismo que não seja contraditório com seus anseios transformadores, um capitalismo que promova a industrialização, o emprego, a inclusão social, eleve a renda das famílias, com tributação progressiva, enfim, um capitalismo alternativo à barbárie do neoliberalismo, que levou quase uma centena de milhão de pessoas ao desemprego devido à crise de 2008.

Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador das relações entre Política e Economia.