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Interesses econômicos na disputa eleitoral

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Há uma onda de críticas à administração da presidente Dilma Roussef e de apostas em sua derrota na disputa eleitoral à reeleição. Essas pressões provêm da fusão entre interesses econômicos e políticos, ou, mais exatamente, da vontade de que interesses econômicos de rentistas e instituições financeiras se tornem força política oposicionista suficientemente capaz de mudar a atual composição do governo brasileiro e empossar a oposição neoliberal ou, pelo menos, lograr que o novo governo, qualquer que seja ele, siga o mais possível os preceitos dos interesses mercadocêntricos, a começar pela política macroeconômica (monetária, fiscal e cambial). 

  O mau humor do mercado com o Brasil é, em uma medida relativamente significativa, a produção política de uma ação para interferir no resultado das eleições. Se há deterioração da confiança no Brasil, isso está longe de ser um mero processo de natureza econômica. O exercício dessa oposição é um direito democrático. Mas a questão central a se observar é o caráter político-interessado das avaliações que se faz da economia brasileira e das consequências de uma eventual vitória da candidata oficial. Esse caráter político, obviamente, extrapola qualquer pretensa neutralidade técnica. 

As evidências são públicas, vejamos algumas. A imprensa noticiou recentemente que o diretor-executivo da gestora do JPMorgan, poderosa instituição financeira multinacional, avalia que está ocorrendo no Brasil uma “relativa estagflação” e que o mercado “vê com bons olhos a eleição da oposição”. A ofensiva contra o social-desenvolvimentismo visualiza um cenário de quanto pior melhor: quanto mais Dilma cair nas pesquisas eleitorais, melhor para o mercado e vice-versa. “Qualquer recuperação da candidatura de Dilma durante a campanha pode voltar a trazer estresse para o mercado”, diz a mesma fonte. Manchete recente de “O Globo”: “Ações da Petrobras se valorizam mais de 4% com rumores de pesquisa desfavorável a Dilma”. Semana passada, o Santander foi notícia. O Banco Santander Brasil, subsidiária do banco espanhol, disse, em texto dirigido aos seus clientes ricos, que o sucesso de Dilma deteriorava a economia nacional. Devido à repercussão do fato, o banco voltou atrás, pediu desculpas aos clientes e afirmou que confia na economia brasileira. Enfim, os exemplos poderiam continuar com The Economist, CBN, Jornal da Globo etc, mas preciso entrar na análise.

Uma perspectiva teórica elucidativa argumenta que o capital e os capitalistas têm poder público estrutural, ou seja, têm capacidade de influenciar o conteúdo das decisões do Estado, que são decisões políticas, independentemente do governo em exercício. Por mais autonomia que o Estado tenha, será sempre uma autonomia relativa, dependendo sua amplitude da relação de forças entre as classes e frações e da coalizão política na qual as elites burocráticas e políticas do Estado estão inseridas. O Estado, no capitalismo, depende das relações de produção capitalistas. Dessas relações provêm o lucro, que é uma renda do capital, e o salário, remuneração do trabalho assalariado, assim como os impostos arrecadados pelo Estado. Mas o exercício do poder público do capital mudou com o neoliberalismo e com a financeirização. Passa a haver um grande foco na primazia dos mercados e na valorização dos ativos financeiros e uma oposição à intervenção do Estado, que deve implementar uma política macroeconômica restritiva em termos fiscais e monetários e manter o câmbio flutuante. Resultado: o ambiente produtivo é prejudicado, como se verifica hoje em vários países desenvolvidos.

  Dilma procurou prosseguir na perspectiva social-desenvolvimentista iniciada com Lula, que, além de se preocupar com investimentos produtivos, lucros, empregos e salários, enfatizou a inclusão social e a distribuição de renda. Porém, a média de crescimento, de 2011 até hoje, caiu em relação à verificada nos dois governos de seu antecessor. Por um lado, não se pode ignorar que, antes de tudo, a crise financeira internacional não foi superada, pressionando todos os emergentes. Por outro, algumas decisões do governo Dilma parecem ter dificultado a retomada dos investimentos. Assim, a combinação, por um lado, de crescimento baixo, juros em alta e inflação batendo no teto da meta e, por outro, eleições presidenciais agendadas para outubro propicia uma oportunidade para que os interesses vinculados à financeirização, o modelo derrotado no país em 2002, partam para a ofensiva política. O cenário montado indica que a disputa presidencial desse ano será bem mais acirrada que a de 2010.

Uma das principais determinações do exercício da função estatal é a legitimidade e esta depende muito do desempenho econômico, da acumulação de capital, embora não só. O neoliberalismo – o chamado “pensamento único” – está em relativa crise, por ter levado o mundo à recessão, por ter enorme dificuldade de conduzir à recuperação da atividade econômica e por ser o responsável pela promoção do aumento da desigualdade social até mesmo nos EUA, país desenvolvido onde ela mais cresce. Nesse contexto, os interesses neoliberais, com dificuldades no cenário externo e tendo que conviver no Brasil, há quase doze anos, com governos que não seguem o ideário da economia neoclássica e que não estimulam um modelo de gestão empresarial voltado à valorização das ações a qualquer custo, inclusive da atividade produtiva, estão intervindo na disputa política para tentar deslegitimar e derrotar eleitoralmente o modelo de capitalismo social-desenvolvimentista que, com dificuldades, acertos e erros, tenta se afirmar no principal país da América Latina como alternativa ao padrão de capitalismo desregulamentado que recentemente levou o mundo quase que a uma nova Grande Depressão, uma crise cujos efeitos ainda se fazem sentir internacionalmente.

O que está em jogo no país é, sobretudo, a disputa entre dois tipos de capitalismo e, portanto, de exercício do poder público do capital: o capitalismo neoliberal e o capitalismo social-desenvolvimentista. Ambos têm interesses distintos em relação ao Estado.  A disputa política em torno do desenvolvimento é recorrente na história do capitalismo e do Brasil. Aqui, levou um presidente ao suicídio, em 1954, implicou em redução dos investimentos, entre 1961 e 1963, esteve entre as principais causas econômicas do golpe militar de 1964 e da redemocratização nos anos 1980, ensejou ameaças empresariais nas eleições presidenciais, em 1989, e fuga de capitais nas eleições de 2002.

*Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política daUniversidade Federal Fluminense (UFF)e pesquisador das relações entre Política e Economia.