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O que está em jogo na defesa da redução da maioridade penal? (II)

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Fiz questão de retornar a este tema por entender a necessidade de debatermos com urgência as questões que levam uma elite conservadora a apoiar tão veemente a redução da maioridade penal. Faço um debate que traz como pano de fundo algumas das realidades empírica das juventudes negra da favela e os desafios apresentados a esses jovens, que na maioria das vezes é o jovem que vai entrar em conflito com a lei e ser principal vitima da redução da maioridade penal.

Como vimos anteriormente em meu artigo datado do dia 21/06, encaro os desafios do dia a dia com a certeza de que sou sobrevivente do sistema e deixei minha experiência pessoal como prova de que é possível reinserir um jovem com variadas histórias de vida em um convívio social, mesmo depois de ter entrado em conflito com a lei e ser dado como mais um a cumprir as estatísticas que envolvem o genocídio da juventude negra.

Para quem desejar relembrar do assunto é possível encontrar o artigo anteriormente publicado em: www.jb.com.br/juventude-de-fe/noticias/2015/06/21/o-que-esta-em-jogo-na-defesa-da-reducao-da-maioridade-penal-parte-1/

Encaminhei no final do artigo alguns questionamentos que tentarei dar conta de explicar. A primeira pergunta apresentada foi sobre que tipo de lugar e território o jovem adolescente que está em situação de vulnerabilidade social está. Bom essa pergunta é fácil responder, o jovem que entra em conflito com a lei hoje reside nas áreas mais periféricas da sociedade. Seu território, denominado como periferia ou favela, é marcado pela ausência de direitos. É nesse espaço territorial que vemos os descasos da saúde, saneamento, lazer e educação. As necessidades básicas, direito de todo cidadão, são negadas aos moradores das favelas. Logo, não é possível esperar de um ator, ou atriz, deste cenário, o empoderamento político e social que o leve a disputar a sociedade de forma igual com jovens adolescentes que não residem nesses territórios periféricos.

Sabemos que em nossa sociedade temos uma problemática sistêmica que desqualifica o profissional da educação e que não garante uma infraestrutura descente para que o aluno da rede pública tenha aula com qualidade e estruturas básicas para alcançar um ensino descente. Além disso, a escola, com métodos atrasados e fora do tempo, não dá ao jovem adolescente um incentivo para que complete seus estudos com ânimo. A crise educacional revela uma das principais fragilidades do sistema. A escola contemporânea não cumpre o papel de educadora e serve apenas como ferramenta de manutenção da endêmica disparidade social naquilo que tange a formação educacional de nossas crianças, adolescentes e juventudes.

Outro ponto apresentado foi a barreira enfrentada pelo jovem da favela, que o impede de ter direito a cidade, a cultura e ao lazer. Quando olhamos para a realidade social desse indivíduo periférico nos confrontamos com a falta de acesso aos mecanismos de cultura e lazer que a cidade oferece. Digo isso porque vivemos em uma gentrificação da cidade, ou seja, a cidade está a cada dia ficando mais cara. Os mecanismos de cultura são privatizados e cobram preços exorbitantes para que o cidadão tenha ‘direito’ de usufruir as distintas produções culturais. As Casas de Shows são privadas, os teatros são privados, o cinema é privado. Caso um jovem da Maré, como no meu caso, tenha recurso financeiro para ir a um desses estabelecimentos de cultura, tem que pagar seu deslocamento da sua casa até o centro da cidade ou na Zona Sul do Rio de Janeiro, que por sinal é muito caro, por que não tem nenhum atrativo cultural para ir ao seu bairro, exceto é claro, dos bailes funks que hoje são proibidos.

O lazer da favela é resumido a um campo de futebol e a uma praça sem equipamentos de diversão para a criançada. O sucateamento dos espaços públicos da favela é uma constatação que qualquer um pode observar fazendo uma simples visita a qualquer favela do Rio de Janeiro. Não existem projetos que envolvem outras práticas esportivas além do futebol. Na maré, estamos de frente ao pântano que vem se tornando nossa Bahia de Guanabara. As vilas olímpicas não contemplam nem um terço da real necessidade das juventudes. As praias ficam longe e esbarram no mesmo problema de locomoção antes falado. Quanto mais longe da favela é o aparelho de cultura e lazer é melhor, pois exclui o preto, pobre e favelado dessa dinâmica elitizada de sociedade.

E se o jovem da favela não encontra emprego? Como ele terá acesso a cidade, sendo que essa cidade está mais cara, elitizada e reproduz uma estética para quem frequenta ela?

O problema é estrutural! Tentando entender o ponto vista dessas crianças, adolescentes e jovens, quem seria o culpado pelo aumento da violência? Quem responde por não ter aparatos de lazer e cultura dando opções e oportunidades para as juventudes? Não será as estruturas do poder judiciário, do poder legislativo e do poder executivo que não garantem a regulamentação e a efetivação da legislação já existente? Qual é o interesse e quem é o interessado em excluir da dinâmica da cidade um jovem que está em situação de vulnerabilidade social?

Vamos para a “parte 3” destas publicações e responder essas perguntas apontando caminhos e dando possíveis apontamentos para dizer Não a Redução da Maioridade Penal.

 

*Walmyr Júnior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor e representante do Coletivo Enegrecer como Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.