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Vítima, heroína ou vilã? Como entender o papel da PM e sua crise institucional

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O que pensar de uma força de segurança que, ao mesmo tempo, é vista como heroína, vítima e vilã? Como entender o papel das polícias nos dias de hoje? O que dizer exatamente sobre a conjuntura das políticas públicas de segurança, naquilo que tange a interpretação da práxis do aparato de policiamento das vias públicas das cidades do nosso país?  Essas e outras perguntas não serão suficientes para darmos conta de descrever sobre a crise das instituições contemporâneas. 

Sabemos que as instituições são reflexos da vida social, e também são mecanismos de organização que se configura e reconfiguram com o constructo da vida comunitária. Porém, no Brasil, vivemos um caos com a crise interpretativa desses modelos e mecanismos institucionais. As famílias não estão mais conseguindo educar seus filhos com os padrões vigentes da composição familiar do século passado. Professores mal remunerados são agredidos e humilhados por alunos em salas de aula e por ex-alunos fora de sala de aula, que estão armados e fardados acatando ordens desmedidas. Os mecanismos de controle social, como a polícia enfrentam os mais variados problemas por nós conhecidos como por exemplo o despreparo, a corrupção, a baixa remuneração e a falta de reconhecimento social/profissional. 

Ao olhar as crises institucionais devemos perceber que tal crise não existe isolada em um lugar ou apenas em uma única instituição. A família, por exemplo, cumpre o papel de ser uma instituição que necessita estar em consonância com a construção social, reconhecendo os indivíduos como parte de um todo, assim como parte de um tempo histórico. A escola deve se atualizar constantemente. Os educadores devem acompanhar de forma concreta e empírica a evolução dos tempos e das tecnologias, assim como se atualizar para dialogar com as juventudes dentro da sua linguagem contemporânea. 

Vejo esses dois exemplos citados, a família e a escola, como instituições balizadores para entender o destino das instituições que pensam políticas de segurança. A meu ver, essas instituições estão em um ciclo de renovação e estão encontrando reais dificuldades de superar a crise imposta a elas pelo tempo.  Para mim, as instituições de controle social, assim como a família e a escola, devem se incorporar ao novo tempo histórico que vivemos, ou faremos a manutenção de uma instituição criada para defender uma classe hegemônica que herdou os privilégios da família real. 

Vivemos em uma sociedade que é infantilizada, onde os sentimentos individuais estão falando mais alto do que o sentido real do conceito de sociedade. Muitas vezes vejo um sentimento social recheado de uma larva vulcânica chamada ódio. O matar e fazer matar, assim como isolar, punir e não ressocializar aliviam os sentimentos de vinganças coletivas surgida nessa sociedade também em crise. 

Um povo que consome alucinadamente, também descarta e produz lixo de forma alucinada. Uma sociedade bestializada que se reproduz de mais e ao mesmo tempo trata seus pares como escória ou até um lixo humano. Falar em políticas sociais que deem conta de servir como um controle social tem sido muito contraditório, pois ao mesmo tempo que queremos sair dessa crise ética e de valores, o individualismo tem falado mais alto. 

E o que tem a ver essa crise de valores com o título deste breve artigo?

Não podemos esquecer que toda instituição é composta por seres humanos que estão inebriados e inseridos em uma mesma sociedade. Quando um todo vive uma crise, logo suas representatividades também entrarão em crise, e é em cima desta afirmação que quero desmistificar esses conceitos citados no título deste artigo.

Quando um policial prende alguém em conflito com a lei e depois de algema-lo prende esse mesmo indivíduo, logo cumpre um papel de controle social em punir um certo indivíduo tido como criminoso. Quando esse mesmo policial, após prender esse mesmo criminoso, dirigi-se ao preso e dá uma pancada ou um tapa, e depois cumpre o seu papel de controle social em punir, logo reflete a crise institucional que sua corporação vive. 

Esse exemplo citado caracteriza o desejo de vingança e o sentimento de ódio que serve de pano de fundo para a crise de valores que cito acima. Esse mesmo policial que agrediu o criminoso, mesmo depois de prende-lo, é aplaudido por uma população que talvez não teve tempo de fazer ‘justiça com as próprias mãos’, ou ainda, quer de qualquer forma ampliar o sistema prisional para excluir pessoas como se fossem dejetos. Essa mesma sociedade que aplaude uma agressão do policial, condena uma resposta violenta de um menor infrator que desde o seu nascimento tem seus direitos negados. Essa mesma sociedade quer falar em redução da maioridade penal apenas para punir com maior rigor seu grande inimigo (um adolescente). Eles querem ver a classe dos trabalhadores policiais apenas como servidores que não vão pensar, mas sim satisfazer seus desejos mais obscuros de vingança

A Polícia Militar só é militar porque é feita pra trabalhar em prol das manutenções de privilégios dessa sociedade individualista e punitiva. O policial não pode pensar, muito menos pensar criticamente. As características de um vilão ou de um herói ou ainda de uma vítima é uma invenção mitológica para fazer com que o Policial seja apenas uma peça do jogo de uma sociedade que não quer aceitar que é sistêmica e que está sempre em ressignificação. 

Essa sociedade está em metamorfose e não acordou para isso. Pensar em desmilitarizar a PM não é acabar com a polícia. Mas é entender que o cidadão faz parte do meio social e caso erre ou acerte é fruto da reprodução social que ele também constrói. Pensar em isolar esse individuo em uma redoma de vidro é afirmar que a instituição militarizada é perfeita, porém , sabemos que não e o que estão em jogo é a defesa de um em detrimento do outro. Quero insistir que são os valores, a ética em especial, que vai fazer a diferença delimitadora para o destino de um povo.

*Walmyr Júnior é professor. Representante do Coletivo Enegrecer como Conselheiro Nacional de Juventude - CONJUVE. Integra Pastoral da Juventude e a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.