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Sete dias sem Eduardo de Jesus

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Só agora, sete dias após o homicídio do menino Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, morto na quinta-feira (2) no Conjunto de Favelas do Alemão, que consegui respirar e tentar compreender um pouco da mistura de dor, raiva, angústia, impotência e tantos outros sentimentos que surgiram com tamanha tragédia. Eduardo foi assassinado com um tiro de fuzil na cabeça quando estava na porta de sua casa.

Não tenho como descrever o que passa pela cabeça, mentes e corações da família e amigos do menino. Mas sei que hoje existe um soluçar de dor em todos nós que vivemos na favela e sabemos como funciona uma incursão militar. O compromisso da polícia é com a morte, e não com a vida. Quando a polícia está na favela, não se compromete em trazer a paz ou a segurança para os moradores, mas traz a guerra e o medo. 

O tradicional jargão utilizado pelos órgãos de segurança pública, “a guerra às drogas”, deixou mais uma vítima estirada no chão. Desta vez foi um menino de 10 anos que teve sonhos e utopias arrancadas pela bala de fuzil que destroçou sua estrutura física franzina. Deixou também uma família sem expectativas. Uma mãe desolada que enfrentou a polícia da UPP local, e que se tornou a mãe do menino morto do Alemão, leva um título nos jornais, que em nada nos felicita.

Estamos em um tempo onde a relativização da vida e a naturalização da violência garante que um ato intolerável como esse faça parte do cotidiano de uma sociedade que olha para a favela como o expurgo social que se deve exterminar dia a pós dia. A divulgação da morte do menino Eduardo chegou a ser justificada nas redes sociais. Vinculou-se ao ocorrido uma foto de outro menino de baixa idade e também negro, com uma arma nas mãos, com comentários inflamados e acusações esdruxulas relatando que todo morador da favela é bandido e traficante.

Queria lembrar que a dona Terezinha Maria de Jesus, mãe de Eduardo de Jesus Ferreira, era trabalhadora, e seu filho uma criança que estudava e brincava com seus amigos na escola e nas ruas da favela. Pessoas que nunca terão a polícia arrombando suas casas sem mandatos judiciais jamais terão o direito de julgar o que acontecem na favela. A morte de uma criança de 10 anos porque ela é moradora do Complexo do Alemão nada tem ligação com o tráfico de drogas, mas sim com o despreparo das políticas de segurança públicas do Estado. 

O mito da guerra contra as drogas e o tráfico, combate um inimigo que tem uma cor e uma classe social definida. A vítima dessa vez foi um menino, sim uma criança inocente que não tinha nenhum tipo de relação com o crime. Na semana em que a redução da maioridade penal é aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ), vimos acontecer o julgamento de pena de morte para uma criança de 10 anos. Para os jovens negros da favela a morte ou o cárcere. Afinal, nesse momento há por ai algum “cidadão de bem” proferindo que o racismo não existe no Brasil. 

Estarrecido com as circunstâncias e com o sentimento de impotência, só me resta a questionar o caso do menino Eduardo será lembrado como um símbolo da luta contra a impunidade do Estado, ou se será mais um caso relatado nas estatísticas? Será a partir daqui que a luta pelo direito ao território e a garantia do bem viver será iniciada? 

Quero aqui expressar minha solidariedade e sentimentos de respeito neste momento de dor à dona Terezinha que viu seu anjo ir para o céu e envolto a um saco preto foi levado da favela para nunca mais voltar. 

*Walmyr Júnior é professor. Representante do Coletivo Enegrecer como Conselheiro Nacional de Juventude - CONJUVE. Integra Pastoral da Juventude e a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.