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Olha a cabeleira do Zezé - Carnaval não combina com opressão (parte 2)

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Trouxe no titulo deste texto um refrão de uma das marchinhas de carnaval mais famosas do país. Quem não se lembra de cantar durante o carnaval e reproduzir que o cabelo do Zezé tem que ser cortado por que ninguém sabe o que ele é? É preciso compreender que toda vez que essa música é reproduzida no carnaval o processo de naturalização da heteronormatividade é afirmado.

Precisamos questionar se essa música e tantas outras similares a essa não se assimila com a manutenção de uma relação de poder onde subalterniza aquilo que não é ‘natural’. Para descrever as opressões vividas pelos gays, lésbicas, transsexuais e travestis conto com a ajuda de dois atores importantes na luta pela garantia dos direitos da população LGBT no Brasil.

Tiago Alves, mestrando em Educação na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e militante do Coletivo Tibiras, me ajudou a elucidar essa questão como uma construção/manutenção dos estereótipos construídos durante o dia a dia e que é externado com mais veemência durante o carnaval. Para ele, “uma pessoa que se veste de índio, vai querer personificar e interpretar sua ‘fantasia’ como algo que é primitivo, fazendo danças tribais, imitando sons com a boca, afirmando, que, a partir da relação de poder, uma população que não é a sua, é a primitiva. Assim acontece quando um homem hétero se transveste de mulher, ou seja, vai pôr uma roupa curta, sensual, mais decotada, geralmente uma saia ou uma calcinha brincando e satirizando o ser mulher, como um índio é satirizado por ser primitivo.

A ‘brincadeira de carnaval’ tem que ser questionada quando o homem não só reforça que seduzir outro homem e se insinuar para todo mundo é engraçado, mas principalmente faz deste ato carnavalesco a afirmação da hegemonia sisheteronormativa.  Sabendo que o carnaval está além de uma fantasia, se comportar como gay virou também uma piada que sustenta a subalternação de uma identidade de gênero em detrimento de outra.

Quando o homem hétero se veste de mulher e traz para si um personagem fictício similar ao membro da comunidade LGBT, logo vai insinuar com seu comportamento que o gay, trans e o travestir é promiscuo. Digo isso por que o homem que se transveste no carnaval alisa as pessoas na rua, assedia e se oferece para todo mundo, afirmando com seus gestos que todo gay faz isso, como se a comunidade LGBT nascesse para ser apenas uma máquina sexual, promíscua, que quer sempre transar com alguém.

Larissa Passos é diretora de LGBT da UNE (União Nacional dos Estudantes) e ao falar da música citada acima afirma que uma brincadeira como essa gera opressão. Quando se fala em cortar o cabelo, se fala em mudar a identidade, pois obriga a travesti ou o homossexual a ter seu cabelo cortado para ser aceito nos espaços de sociabilidade. “Essas opressões são materializadas nas músicas, é fazer chacota”.

Para Larissa “quando alguém oprime um gay é por que ninguém se coloca no lugar dele. Isso se dá também quando um homem se veste de mulher no carnaval. Eles se vestem de mulher mas continuam oprimindo as mulheres e não se colocam no lugar nem da mulher nem da trans ou dos travestis que passam por opressões diariamente na sociedade por querer estar como uma mulher.

Segundo Larissa, as mulheres lésbicas são as mais assediadas, pois não são respeitadas quando estão com suas companheiras, assim como toda a comunidade LGBT que é agredida só pelo fato de fazer valer sua concepção de gênero.

Uma perspectiva de proibição de usar roupa feminina ou não é ditatorial, mas é preciso repensar por que me visto de mulher ou não no carnaval. Será que ao se ‘fantasiar’ de oprimido assimilo a sua identidade além do comportamento? O carnaval por estar hoje alicerçado ás estruturas de poder, é também uma ferramenta que minimiza as opressões ?

Deixo essa frase de um dos maiores nomes da língua portuguesa no Brasil como reflexão a respeito dessas fantasias no carnaval:

“O carnaval não é o período que as pessoas põem fantasias, mas sim que tiram as suas fantasias” - Pe Antônio Vieira

 

*Walmyr Júnior é professor. Representante do Coletivo Enegrecer como Conselheiro Nacional de Juventude - CONJUVE. Integra Pastoral da Juventude e a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ.