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Sozinha na foto

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Dona Esperança chegou na Favela Marcílio Dias na Maré em 2003. Durante o cadastramento do senso comunitário dos moradores conheci um pouco da sua história. Uma história sofrida, pois quando jovem dizia que tinha tido filhos gêmeos, um casal, mas que na maternidade falaram para ela que ao nascer os dois faleceram. Mas dona Esperança não acreditava nisso, dizia que os seus filhos tinham sido roubados na maternidade.

Dona Esperança trabalhou na casa de Chaves, um homem que foi muito bom para ela. Nesta casa, dona Esperança sofreu um acidente que a impossibilitou de andar, então a partir daí passou a se locomover em uma cadeira de rodas.

Chaves morava na Penha e como Dona Esperança não podia mais trabalhar. Ele alugou uma casa para ela, na Favela Marcílio Dias e pagava sempre o seu aluguel.

O tempo passou, Dona Esperança se aposentou, e Chaves infelizmente faleceu deixando Dona Esperança.

Dona Esperança então reconhece nos seus vizinhos a sua segunda família ficando sempre ansiosa esperando uma visita.

Participa dos nossos grupos de artesanato do CMS João Candido e lá aprendeu a fazer fuxico. Com as visitas frequentes do enfermeiro, médico e do fisioterapeuta, que dão assistência à Dona Esperança, começou a fazer grandes progressos e estava começando a ficar em pé sozinha e alcançando um grande progresso na sua reabilitação.

O que sempre preocupou  os vizinhos é que Dona Esperança apresentava um certo tipo de transtorno mental, mas que não a fazia dependente de remédio algum. Mas um problema assolava minha vizinha, a falta de companhia. Ela se sentia muito sozinha, e por um desejo próprio rejeitou a fisioterapia. Além disso aumentou o seu vício de fumar cigarro e de consumo excessivo de bebidas alcoólicas, que segundo ela, aliviava o seu sofrimento e a ajudava a esquecer seu triste passado.

Com o pouco dinheiro que recebia da sua aposentadoria pagava o aluguel e recebia ajuda dos vizinhos.

Apesar de estar presa em uma cadeira de rodas, Dona Esperança deixava a casa sempre limpa e tinha um companheiro, um gatinho, amigo esse que as vezes, deixava de se alimentar para dar comida ao seu animal de estimação. Ela fazia isso para que o gato não a abandonasse e a deixasse sozinha de novo.

Dona Esperança era esforçada e não fazia corpo mole, tinha o seu radiozinho e sonhava em participar de um programa de rádio para ganhar algumas doações para a sua casa.

Sua cama estava quebrada, a geladeira estragava os alimentos, o fogão estava ruim. Com a ajuda de alguns amigos, conseguimos inscrever Dona Esperança em um desses programas. Logo em seguida ela foi selecionada !!

Nossa vizinha foi levada até a rádio e os ouvintes doaram várias utilidades para o seu lar. Também foi doado algumas outras coisas, inclusive um fogão em bom estado. 

Mas um problema ainda incomodava muito a Dona Esperança o seu dinheiro não dava para quase nada, às vezes não tinha dinheiro nem para o pão.

Assim muitos amigos começaram a incentivá-la a fazer os seus fuxicos que havia aprendido no grupo de artesanato.

Não é que deu certo! Com o tempo Dona Esperança fazia bolsas, lençóis, toalhas e mostrava os seus trabalhos toda feliz e contente, o trabalho do suor das suas mãos. Só faltava uma coisa, quem ia comprar? Então foi feita a divulgação do trabalho dela para outras pessoas, e na maioria das vezes quem comprava eram os próprios vizinhos.

Percebemos que isso a ajudava a lutar pela vida, esquecer o passado, isso a valorizava como pessoa, muitas das vezes a fazia esquecer da depressão que lhe rodeava. Como morador da comunidade percebo que o simples fato de apenas conversar com ela a fazia esquecer da tristeza e o simples fato de escutar e ouvir as suas histórias a ajudava muito. Ela contava as suas histórias e me mostrava a sua única foto toda contente. A foto era ela sozinha como sempre foi a maior parte da sua vida. Como na foto, sozinha na foto.