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Ran Blake & Sara Serpa, um duo hipnótico

Veterano pianista e jovem vocalista de novo juntos no CD Kitano noir

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O lendário e inclassificável pianista Ran Blake está comemorando 80 anos, metade dos quais como titular da cadeira de jazz do New England Conservatory (NEC), onde fundou - com o falecido Gunther Schuller (1925-2015) - o Departamento de Third Stream Music, hoje chamado de Department of Contemporary Improvisation.

No anúncio de um próximo recital promovido pelo NEC, em sua homenagem, lê-se: "Com conceitos harmônicos e melódicos baseados em variadas modalidades, sendo o jazz e o filme noir as mais notáveis, este concerto será dedicado a evocar a concepção individual de Ran Blake".

Apesar de individualista, mestre Ran Blake adora interpretar em duo as suas próprias composições, temas do Great American Songbook e de filmes de suspense. Duo em noir (Between the lines, 1999), com o trompetista Enrico Rava, foi uma obra-prima nessa modalidade.

Mas como já registrei nesta coluna (12/1/2013), ao recomendar o álbum Aurora (Clean Feed), com a mezzo-soprano portuguesa Sara Serpa, o pianista tem uma queda toda especial por vocalistas por ele consideradas de nível ímpar, em matéria de técnica e de criatividade. A primeira escolhida foi a vanguardista Jeanne Lee (1939-2000). A segunda foi Christiane Correa, nascida na Índia, e radicada nos Estados Unidos desde 1979. Dominique Eade, também professora do NEC, foi a terceira.

Mais recentemente, Ran Blake fez de sua aluna Sara Serpa - hoje com 35 anos, novaiorquina desde 2008 - sua partner preferida. Antes do já citado Aurora, a dupla gravara Camera obscura (Inner Circle, 2010).

E agora, como uma espécie de presente de aniversário ao contrário, o pianista nos brinda com 16 primorosas peças gravadas em dupla com Sara, no período 2013-2014, em duas "residências" no Kitano - o jazz bar do luxuoso hotel do mesmo nome, lá na esquina da Park Avenue com a Rua 38.

O CD (selo Sunnyside) intitula-se Kitano noir. A maioria das faixas gira em torno de três minutos. A mais breve é Cry wolf(1m55), de Blake, com vocalização desnuda, sem palavras. A mais longa, Preto velho (4m55), de Caco Velho, tem letra em português.

São também wordless três outras peças de Blake interpretadas pela dupla: a mais antiga Short life of Barbara Monk (3m), a murmurante Field cry (2m05) e Indian Winter (3m15) - esta última de densidade melódico-harmônica especialmente notável, o clima de suspense acentuado pelos acordes noirs do autor em contraste com as piruetas da voz cristalina de Sara Serpa.

Dentre os temas mais conhecidos desenvolvidos pelo duo no CD Kitano noir, destacam-se: Mood indigo (2m20), de Duke Ellington; Round midnight (3m15), de Thelonious Monk; Good morning heartache (3m55), canção celebrizada por Billie Holiday, na década de 1940; Get out of town (3m40), de Cole Porter; When sunny gets blue (3m20), de Marvin Fischer, e sucesso de Nat King Cole.

Este pas de deux jazzístico do veteraníssimo modernista Ran Blake com a jovem estrela Sara Serpa é uma verdadeira sessão de hipnose musical.