ASSINE
search button

Itália endurece política migratória e Guarda Costeira do país se vê em situação de impotência

Compartilhar

ROMA - A política anti-imigração defendida pelo novo governo da Itália, personificada na figura de Matteo Salvini, ministro do Interior pela legenda de extrema-direita Liga, fechou os portos do país para embarcações de imigrantes ou de ONGs que resgatam náufragos no mar Mediterrâneo, ressoando os discursos populistas que têm emergido nos países da União Europeia (UE). O rigor das novas diretrizes, no entanto, deixou a Guarda Costeira italiana envolta em dilemas, e os primeiros sinais de insatisfação se tornaram públicos. 

Desde que as novas políticas foram implementadas, em junho, os militares envolvidos na instituição se veem obrigados a deixar de socorrer embarcações em situação de risco e repassar os pedidos de socorro à Líbia, país margeado pelo Mediterrâneo que serve como passagem para migrantes de outros países da África. A situação levou a setores da Guarda Costeira, habituada à discrição típica às instituições militares,  manifestarem seu descontentamento com as políticas defendidas por Salvini e pelo primeiro-ministro, Giuseppe Conte - a maioria sob anonimato. Em entrevista ao jornal italiano “Il Sore 24 Ore”, um almirante não identificado acusou a Itália de ferir a Convenção de Hamburgo ao negar socorro a imigrantes e repassar a responsabilidade para a Líbia, que, segundo ele, não é considerado um “porto seguro” para os resgatados. Para muitos, a sensação é de impotência.

 A insatisfação também chegou aos postos de comando. Na última quarta-feira, durante as comemorações pelo 153º aniversário da Guarda Costeira, o almirante Giovanni Pettorino defendeu o papel da instituição nos resgates. “Somos marinheiros, navegadores italianos com 2.000 anos de história. Sempre respondemos e responderemos a pedidos de ajuda”, disse o comandante da Guarda. Recentemente, um grupo de oficiais precisou aguardar dois dias para desembarcar um grupo de 450 imigrantes na Itália. A autorização só foi concedida depois que seis países da União Europeia aceitaram recebê-los. Na última terça-feira, o resgate de uma camaronesa de 40 anos encontrada viva em meio a destroços de uma embarcação ao lado de uma mulher e um menino em estado de decomposição comoveu o mundo e levou a Conferência Episcopal da Itália a apelar por políticas mais humanas no país. “Para salvar a humanidade da vulgaridade e da barbárie, devemos proteger a vida. Todas as vidas”, diz trecho de um comunicado oficial da entidade católica. 

Conte defende redistribuição de imigrantes entre nações da UE

 A proximidade da Itália com o continente africano fez com que o país se tornasse uma das principais portas de entrada de imigrantes africanos para a Europa. Desde a última cúpula do Conselho Europeu, no fim de junho, o premiê italiano defende que os países de chegada deixem de ter a responsabilidade sobre os imigrantes, que seriam realocados em outros países da UE. A proposta voltou a ser considerada pelo bloco europeu na última sexta-feira, depois de Conte, em carta ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, condicionar seu apoio logístico à operação naval da UE de resgate de imigrantes, batizada de Sophia, à redistribuição dos resgatados. Em resposta ao primeiro-ministro italiano, Juncker se mostrou disposto a manter a mediação com os países do bloco europeu para viabilizar a continuidade da operação, mas ressaltou que essa condição não pode ser definitiva. 

Criada há três anos em resposta à série de naufrágios fatais no Mediterrâneo, a Operação Sophia é liderada pela Itália, já resgatou 44 mil pessoas e também conta com navios da França, Irlanda, Espanha, Eslovênia e Alemanha. Mais de 1,8 milhão de pessoas entraram ilegalmente na Europa nos últimos quatro anos. Atualmente, 170 mil delas aguardam pela concessão de asilo na Itália. No entanto, o fluxo de imigrantes que chegam ao país diminuiu, mesmo antes da formação do governo populista de Conte, depois que uma nova rota em direção à Espanha passou a ser utilizada. No entanto,  o número de mortos e desaparecidos no Mediterrâneo é um dos mais altos nos últimos anos.