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Apoiada por bispos, Masaya resiste a ataques de forças de Ortega

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"Chega de violência", gritavam nesta quinta-feira (21) milhares de habitantes de Masaya que receberam a visita solidária dos bispos católicos, quando resistem à ofensiva do governo de Daniel Ortega, que, pelo quarto dia, busca recuperar o controle da cidade decretada em rebeldia.

Por conta de novos ataques desde a manhã, uma delegação de bispos, liderada pelo cardeal Leopoldo Brenes, chegou à cidade, 30 quilômetros ao sul de Manágua, para "evitar outro massacre". Caminharam pelas ruas, entre barricadas, levando a Eucaristia.

Agitando bandeiras da Nicarágua, os moradores foram as ruas para recebê-los: "Queremos paz!", "Justiça!", diziam. Alguns choravam e pediam de joelhos que acabasse a violência, que em dois meses de protestos contra o governo deixaram 190 mortos.

No bairro de Monimbó, foco de resistência em Masaya, houve troca de tiros e morteiros artesanais, constatou uma equipe da AFP. Moradores relataram que grupos antimotim e paramilitares incendiaram algumas casas.

A poucos quarteirões dos ataques, na Praça de Monimbó, nos arredores da igreja, os bispos exigiam de Ortega e sua esposa e vice-presidente Rosario Murillo que não houvesse "nem mais um morto".

"Quero recordar um dos mandamentos da lei de Deus: Não matarás!", acrescentou o arcebispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, em frente a uma multidão que respondia com aplausos e cânticos católicos.

Moradores também relataram ataques na cidade turística de Granada - vizinha a Masaya -, onde antimotins e civis encapuzados e armados percorriam as ruas atirando e desmontando barricadas, ajudados por escavadoras.

Encapuzados, armados com morteiros, um deles com um facão e outro com uma pistola, um grupo de jovens fugia por uma rua, outros resistiam aos antimotins depois de uma enorme barricada de pedras.

"Estamos sendo reprimidos pela violência deste governo, estamos cercados pelos quatro lados de Masaya. Andam armados até os dentes", disse Nayer Joseph, um artesão de caixões, de 28 anos.

Atiradores de elite estavam nos telhados, segundo os habitantes. "Estamos aqui resistindo por nossos filhos", assinalou Tania Garcia, de 39 anos, comerciante do mercado de Masaya, sentada em uma trincheira.

O líder estudantil Cristian Fajardo disse à AFP que ouviram tiros no norte da cidade por onde "avançam cerca de 500 homens encapuzados e fortemente armados".

O secretário da Associação Nicaraguense Pró-Direitos Humanos (ANPD), Álvaro Leiva, denunciou o uso da força "desproporcional", e que estão sendo usados fuzis AK-47 e Dragunov, armas de combate usadas pelo Exército e pela Polícia.

Acompanhados pelo núncio apostólico Waldemar Stanislaw, os hierarcas se reuniram com o chefe de polícia de Masaya, Ramon Avellan, e entregaram uma lista de detidos. "Se comprometeu a parar os ataques", assegurou o cardeal Brenes.

- "A dor é grande" -

A Igreja pediu ao presidente que permita eleições gerais antecipadas em março de 2019 para aliviar a tensão. Até o momento, o governo não deu resposta à demanda por diálogo com a oposição, mediado pelos bispos.

"A dor na Nicarágua é grande, um povo desarmado está sendo massacrado. As cidades estão nas mãos de bandidos", lamentou o monsenhor Báez.

Ex-guerrilheiro da revolução sandinista, Ortega, cujo terceiro mandato presidencial consecutivo termina em 2021, é acusado de nepotismo e de instaurar, com sua esposa e vice-presidente Rosario Murillo, um governo autocrático e corrupto.

As manifestações contra o governo começaram no dia 18 de abril contra uma reforma ao sistema de previdência social, mas se estenderam para pedir justiça pelas mortes de manifestantes e a saída do poder de Ortega.

Frases como "O povo não se rende", "Fora Ortega", "Não à ditadura orteguista" podem ser lidas nas paredes de Masaya, uma das cidades mais combativas da insurreição popular que, liderada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), derrotou o ditador Anastasio Somoza em 1979.

Os ataques acontecem um dia depois que o governo de Ortega convidou organizações internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, a visitar a Nicarágua para verificar a situação de violência no país.

"O governo não pode continuar pedindo o diálogo e, ao mesmo tempo, cometer sérias violações de direitos humanos e crimes (...) deve imediatamente ordenar" o fim da repressão, advertiu a Anistia Internacional em um comunicado.

Depois dos ataques, não ficou claro se os líderes católicos voltariam a convocar o diálogo.