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Presidente da Nicarágua abre diálogo para conter violenta onda de protestos

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Mortos, feridos, destruição, barricadas e saques foram as marcas deixadas neste sábado (21) pelos violentos protestos desatados na Nicarágua contra uma reforma previdenciária, que levaram o governo do presidente Daniel Ortega a aceitar a abertura de um diálogo.

O governo está "totalmente de acordo em retomar o diálogo para a paz, para a estabilidade para o trabalho, para que nosso país não fique em meio ao terror que está vivendo neste momento", afirmou Ortega em pronunciamento em rede nacional de televisão.

O presidente nicaraguense não deu uma data para o início do diálogo, proposto na sexta-feira pelo sindicato patronal, mas disse que seus representantes estão prontos para "discutir este decreto", que entrou em vigor na quarta-feira e fazer ajustes ou redigir um novo, se necessário.

Nesse mesmo dia tiveram início os mais violentos protestos no país em 11 anos de governo Ortega, que deixaram pelo menos dez mortos e mais de 80 feridos produto de enfrentamentos com armas brancas, de fogo e pedras entre manifestantes, policiais e grupos oficialistas.

O "que está acontecendo no nosso país não tem nome", disse o presidente, acompanhado da esposa, a vice-presidente Rosario Murillo, e o alto comando militar e policial.

Sem citar nomes, Ortega disse que os protestos são incentivados por grupos políticos contrários ao seu governo e financiados por setores extremistas dos Estados Unidos.

"Têm todo o direito de criticar (...) mas não têm o direito de conspirar para destruir e, pior ainda, procurar lá nos Estados Unidos os grupos políticos mais extremistas do império que, em primeiro lugar, são racistas", afirmou no discurso à Nação.

"Desgraçadamente, está aí a contaminação do aproveitamento político", mas "que vão conspirar para promover a violência no nosso país, isso não tem perdão de deus, é terrível", condenou o presidente, acusando os organizadores dos protestos de incorporar nas manifestações "jovens que caíram na delinquência".

"Estão criminalizando os protestos e estão pondo em risco jovens que foram aos protestos com boas intenções", e que "vão respondendo a uma direção política que os usa para que andem atirando e saqueando".

O fazem para "semear o terror, semear a insegurança" e "destruir a imagem da Nicarágua, após "11 anos de paz" no país, defendeu o presidente, em alusão a seus anos no poder.

- Novos confrontos -

Após o discurso do presidente, o primeiro desde o início as manifestações violentas, centenas de jovens voltaram a enfrentar a tropa de choque na capital.

Com os rostos cobertos por camisetas, os jovens ergueram barricadas nas ruas e atiraram pedras nos policiais, que respondiam com bombas de gás lacrimogêneo.

"Se é assim que o governo pensa que se resolvem as coisas, vai ser assim!", disse um jovem, enfurecido.

Também houve focos de tensão na Universidade Politécnica, um dos redutos dos manifestantes, enquanto centenas de cidadãos se concentraram no sul da capital para protestar.

O presidente "perdeu a chance de pedir perdão e retificar. Havia expectativas e as desapontou", reagiu outro manifestante, Gerardo González, nas redes sociais.

Os protestos começaram devido ao aumento das contribuições de empresas e trabalhadores a fim de saldar um déficit milionário da previdência social, o que se somou a um descontentamento generalizado com a situação econômica do país, explicaram analistas.

Soldados armados com fuzis saíram na noite de sexta-feira para guardar instituições em Manágua, assim como na cidade de Estelí (norte), dos intensos distúrbios, informou o governo em seu site na internet.

Em Manágua, foram danificados o Ministério da Juventude, o prédio da Previdência Social, a Universidade de Engenharia e a sede da oficial Rádio Ya.

Nas cidades de León e Masaya houve "queima de carros particulares, saque e destruição de prédios públicos", bem como roubos em shoppings, denunciou o governo.

A oposição reportou a queima parcial, na noite de sexta-feira, da Rádio Darío, na cidade de León.

"A resposta ordinária e violenta das autoridades a estas manifestações tem implicações profundamente perturbadoras para os direitos humanos na Nicarágua", advertiu a Anistia Internacional em nota.

- O povo quer mudanças -

"Não se via isto há anos na Nicarágua", comentou o analista e ex-embaixador da Nicarágua na OEA e nos Estados Unidos, Carlos Tünnermann à AFP.

Em sua avaliação, os protestos ocorreram "em quase todas as cidades do país, em todas as universidades e terem sido reprimidos com violência pelo governo significa que há um mal-estar da população não só pelas reformas, mas pela forma como o país tem sido dirigido".

Segundo especialistas, a população suportou calada o encarecimento do custo de vida pelas constantes altas nos preços dos combustíveis, das tarifas de eletricidade, demissões no setor público e redução de benefícios sociais devido à redução da cooperação venezuelana.

"A reivindicação principal das pessoas é que não querem mais este governo, há uma rejeição total deste governo", concordou o sociólogo e acadêmico Cirilo Otero em declarações à AFP.

"Os protestos foram encabeçados por jovens que absorveram esse mal-estar que as pessoas sentem pela crise econômica, a repressão ao direito de manifestação e os mortos que as manifestações deixaram", acrescentou.

As reformas visam a saldar um déficit de mais de 76 milhões de dólares no Instituto Nicaraguense de Seguridade Social (INSS), depois que o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou ao governo tomar medidas para evitar sua falência em 2019.

Ortega governou pela primeira vez durante a revolução que a Frente Sandinista (FSLN, esquerda) dirigiu na década de 1980, retornou ao poder em 2007 e foi reeleito em 2011 e em 2016, em meio a denúncias de processos eleitorais fraudados, segundo a oposição.