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Corpo de Vittorio Emanuele III volta à Itália e gera polêmica

Restos mortais de soberano estavam em Alexandria, no Egito

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Os restos mortais do rei Vittorio Emanuele III, que reinou na Itália entre os anos de 1900 e 1946, foram sepultados neste domingo (17) no Santuário de Vicoforte, na região de Piemonte, no norte da Itália.

O corpo, que estava na catedral de Santa Catarina, em Alexandria, no Egito, agora está enterrado ao lado de sua esposa, a rainha Elena, que também teve seus restos mortais transferidos de Montpellier, na França, para a Itália. No entanto, a transferência dos restos mortais do rei italiano está causando uma série de polêmicas políticas, com familiares da família real e com a comunidade judaica.

Por parte dos judeus, a polêmica tem a ver com a repatriação do corpo para o território italiano. Isso porque foi Vittorio Emanuele III quem cedeu o governo para o fascista Benito Mussolini, em 1922, após a famosa "Marcha sobre Roma", promovida pelos apoiadores do ditador.

"Em uma época marcada pelo progressivo enfraquecimento da memória e dos valores fundamentais, a repatriação do corpo do rei Vittorio Emanuele III na Itália não pode gerar menos que uma profunda inquietação, também porque ocorre em um ano marcado por muitos aniversários, como os 70 anos da nossa Constituição", destacou Noemi Di Segni, presidente da União das Comunidades Judaicas Italianas (Ucei).

Segundo a líder, em um texto publicado pela Ucei, é "preciso que se diga claramente, em cada sede, que Vittorio Emanuele III foi cúmplice do regime fascista para o qual nunca impôs obstáculos durante a ascensão e a violência abertamente manifestadas desde os primeiros anos da década de 1920".

Di Segni ainda pediu que "nenhuma honra pública" seja feita para "torná-lo mártir ou herói da história" e anunciou que a entidade deve fazer uma manifestação sobre o tema em janeiro.

- Família:

A segunda polêmica, que também envolve de certa maneira a comunidade judaica, veio a partir da família do soberano.

Primeiro, eles informaram que nem todos os membros da Casa de Savoia foram informados sobre a repatriação - fato que foi desmentido pelo governo.

Mas, a principal causa das críticas, vem por um pedido feito pelo então rei ainda em vida: de ser enterrado no Panteão de Roma - ao lado do pai, o rei Humberto I, e do avô Vittorio Emanuele II (chamado pelos italianos de "Pai da Pátria, por ser o responsável pela unificação).

Em entrevista à emissora "RAI", Emanuele Filiberto, bisneto do soberano, afirmou que parte da família deseja que os restos mortais sejam transferidos para Roma.

"Meu avô [Humberto II, filho de Vittorio Emanuele III] sempre dizia que os corpos ficariam no exílio até que voltassem para o Panteão de Roma. Desde 2002, quando foi revogada a norma transitória da Constituição sobre o exílio, não havia mais problema em trazê-lo para a Itália. Mas, sempre esperamos - e desde sempre queremos que sejam colocadas no Panteão", disse Filiberto.

Ao ser questionado sobre as críticas dos judeus sobre a transferência, Filiberto ressaltou que o Panteão "é o túmulo de todos os reis da Itália" e que seu bisavô "reinou por 46 anos". "Erros foram cometidos, houve erros, mas levá-lo para o Panteão significa que estamos em uma nova Itália, que não esquece, mas que segue adiante", concluiu.

O soberano participou, em 1943, da destituição do poder de Mussolini e assumiu o controle do Exército. Em 1946, abdicou em favor de seu filho Humberto II e fugiu para o exílio no Egito.

Seu herdeiro ficou cerca de um mês no poder, quando a Itália aprovou a mudança para a República.

Por sua vez, a presidente da Comunidade Judaica de Roma, Ruth Dureghello, assim como outros expoentes da comunidade, criticou a ideia de colocar os restos mortais no famoso símbolo romano.

"Li e estou convencida de que as instituições, sobre isso, como demonstraram nos últimos anos, saberão tomar a decisão justa. Seria verdadeiramente uma bagunça colocar o corpo próximo a este lugar que foi aquele também da deportação de tantos judeus italianos", ressaltou Dureghello.

Reconstruído pelo imperador Adriano, em 126 d.C., o Panteão é uma das mais bem preservadas obras históricas da Itália.

- Voo militar:

A polêmica sobre a repatriação dos restos mortais também teve questões políticas, com diversos deputados e senadores questionando o uso de um avião militar em um voo oficial de Estado para trazer o corpo do soberano.

"Trazer os restos mortais na Itália com solenidade e voo de Estado é algo que grita na consciência de quem protege uma memória histórica. Grita com a história do pós-guerra. E que não se fale sobre a hipótese de colocá-lo no Panteão. Chega", disse o presidente emérito da Associação Nacional dos Partigiani Italiano (Anpi), Carlo Smuraglia.

O líder do grupo "Liberi e Uguali" no Parlamento, Giulio Marcon, disse que "algum membro do governo terá que nos explicar, explicar ao Tribunal de Contas e aos italianos qual foi a razão para usar um avião da Aeronáutica militar, em um voo de Estado, para trazer para a Itália o corpo de alguém que fez conluio e não se opôs à ditadura fascista, assinou a lei racista contra os judeus e levou o país para o desastre da Guerra".

Um dos líderes do partido "Democratas e Progressistas", dissidente da sigla governista Partido Democrático, Massimo D'Alema, também criticou a decisão.

"Vittorio Emanuele III foi corresponsável pelo fascismo e divido o sentimento de repulsa da comunidade judaica e da Anpi. Acredito que o voo de Estado seja um episódio desagradável que precisará ser esclarecido no Parlamento", destacou D'Alema.