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O Instituto Francês de Relações Internacionais se posiciona sobre Brexit: "pode ter condenado o RU"

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O IFRT divulgou um texto tratando do tema Brexit, escrito por Dominique Moïsi, emitindo sua opinião.

Brexit : as lições de uma catástrofe

Depois de medir a dimensão do terremoto que é possível ver os estragos que ele causou e, dessa forma, não dar falsas e insuficientes respostas. Triunfo do medo espalhado pelos populistas e derrota da razão defendida, sem talento e inspiração, pelos partidários do “status quo”. A revolta dos pequenos, contra os grandes, a estréia da desintegração de uma Europa vítima de sua burocratização e de sua falta de encarnação. Todas essas explicações contêm uma parte de verdade e todos contribuem, cada um da sua maneira, para explicar o tsunami político que vai se produzir.

Depois de 43 anos pertencendo a União Europeia, a Grã-Bretanha decidiu se retirar da maneira mais democrática. Os britânicos são tidos como pragmáticos e realistas. Seus votos são a prova de que os homens não vivem de pão. Eles podem se pronunciar contra seus interesses bem entendidos, quando se sentem abandonados, caso contrário, podem se sentir traídos por aqueles que os representam e defendem.

Mas o real paradoxo fala que quando eles disseram não da maneira mais clara e espetacular da Europa, os britânicos, com exceção dos Londrinos e Escoceses, jamais estiveram tão próximos dos europeus ou dos cidadãos do mundo democrático. A Grã-Bretanha é, menos do que nunca, uma ilha, pois ela se torna a vanguarda, o porta-voz de um grupo que, da Europa até os Estados Unidos, passando pelas Filipinas, disse não, de maneira sintética, à globalização e às elites, ao crescimento das igualdades e à existência do “outro” ao seu lado, como uma dimensão indispensável da realidade cotidiana.

Lado obscuro

Nostalgia de um passado distante, medo de um futuro que está fora do controle e negação de um presente que está ameaçador, a Grã-Bretanha  jogou a favor da Europa e contra ela? Vamos destacar a especificidade britânica. Os jovens, ao contrário do caso francês, votaram a favor da permanência. Esse apoio não é suficiente, a mobilização deles não é suficientemente larga, sem dúvida. John Bull, a encarnação do nacionalismo inglês, ganha, sem contestação, da geração Erasmus. A ilustração do fato é que a Europa se mobiliza contra ele e está lutando para se reunir em torno dele.

O que aconteceu na Europa não é um acidente de percurso, produto de uma história e geografia única, mas como o culminar de um desastre predito. Para fazer referência a uma história inspirada em Guerra das Estrelas, a queda do muro de Berlim traduziu, em 1989, o “Laso da luz da força”. O referendo britânico, em 2016, representa o “lado obscuro”. Essa passagem da luz para escuridão é o produto direto de uma versão moderna da “Traição das elites” .

A primeira lição do seu fiasco é que não jogam, impunemente, com as pessoas. David Cameron, na sua leveza e irresponsabilidade, revelou ser o fator acelerador de uma história em marcha  à sua conclusão lógica.

Dizer "não" a quem os fez uma pergunta clara, e dizer "não" para a Europa, os britânicos, em sua busca de identidade, pode ter condenado o Reino Unido. David Cameron é provável que se mantenha na história da Grã-Bretanha como o homem que, para salvar a unidade de seu partido, perdeu seu país. A Escócia estava esperando por esta oportunidade para deixar o Reino, agora não mais, unido.

No momento, onde eu escrevo esse texto, eu me lembro de Winston Churchill,  que está na foto da minha mesa depois de décadas. Sua determinação, ironia estarão para sempre presentes. Mas eu me vejo triste, perdida em suas lembranças.  “Tudo aqui, para isso", ele parece dizer-me, como se fosse predestinado para isso acontecer. Que desperdício, é o profundo desconhecimento do contexto britânico, europeu e global. Na era de Donald Trump, este mundo não deveria assumir tal risco

Exame de consciência

Medir a dimensão do terremoto que acabou de ocorrer é o primeiro passo para medir a gravidade. Isso, então, implica a não dar respostas falsas e insuficientes.

Além do choque financeiro e monetário imediato, além da imagem de confusão que a Europa fez dela mesma perante ao mundo, além do encorajamento de movimentos populistas e movimentos separatistas,

o voto britânico pode ser considerado tanto como um ponto de partida como um ponto final. O que está em jogo nesse processo de “desfazer’ a Europa é a capacidade de nosso continente de fazer ser ouvido num contexto internacional ainda mais complexo e perigoso.

Hoje não é dia de punir a Grã-Bretanha por ter dido não à Europa. Pelo contrário é dia para os líderes europeus fazer um exame de consciência necessário. Por que todos perdemos a confiança no nosso respectivo povo de que podemos individualmente, à nível Europa, reconquistar a confiança? Da mesma maneira, se precipitar e ir além da Europa pode ser uma grave e perigosa ilusão que mostrará uma incompreensão profunda do que aconteceu. O dia 23 de junho de 2016 não ficará na história como o dia da independência da Grã-Bretanha, mas pode ficar como o dia onde a Europa, sob o choque do resultado do referendo britânico, foi finalmente acordada, não tendo outra escolha, senão se reinventar sozinha.