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Para ativista, Brasil deveria seguir caminho da Argentina e condenar militares por Operação Condor

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Após a Justiça argentina emitir a sentença inédita condenando à prisão militares de alta patente que participaram do chamado Plano Condor, defensores dos familiares das vítimas da ditadura esperam que o Brasil e os outros países sigam o mesmo caminho.

Segundo investigadores e especialistas, o Plano Condor - ou Operação Condor - consistia na troca entre os líderes dos regimes autoritários da região de informações sobre opositores às ditaduras no Brasil, na Argentina, no Chile, no Paraguai, no Uruguai e na Bolívia.

Os governos do Cone Sul agiam de forma coordenada para combater os adversários dos regimes. Além da troca de informações, determinavam perseguições, sequestros, assassinatos e "desaparições" (termo usado quando as pessoas não foram mais encontradas), como recordam historiadores.

"Esperamos que essa sentença aqui na Argentina tenha a possibilidade de gerar investigação sobre o Plano Condor no Brasil e nos outros países envolvidos naquelas ações conjuntas de perseguições e desaparecimentos nas ditaduras da região", disse à BBC Brasil a advogada Luz Palmás Zaldua, que representou o Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) na causa.

Na sexta-feira, a Justiça argentina emitiu sentenças de até 25 anos de prisão para 17 acusados no processo, que envolveu 105 vítimas - 45 uruguaios, 22 chilenos, 14 argentinos, 13 paraguaios e onze bolivianos -, de acordo com a Justiça e o CELS, que reuniu provas e defende familiares das vítimas daquele período.

Segundo a advogada, "há muito a ser investigado" sobre o Plano Condor, oficializado com uma ata formal em 1975, mas "as apurações avançam de forma irregular em cada país".

No Brasil, uma vasta . No país, a Lei da Anistia, promulgada em 1979, não permite que integrantes da ditadura nem opositores que cometeram crimes sejam punidos - embora, na avaliação de alguns juristas, casos de pessoas nunca encontradas configurem crime continuado e, por isso, passíveis de julgamento.

Quase duas décadas de processo

A investigação judicial argentina começou em 1999, com apenas cinco casos de vítimas. Mais de 200 depoimentos e pilhas de documentos depois, ela cresceu e envolveu mais de 30 acusados por "associação ilícita e privação ilegal da liberdade", entre outros crimes.

Na sexta, somente 17 deles ouviram o veredicto - os demais morreram no decorrer dos anos de investigação ou se ausentaram após serem considerados incapazes de entender o julgamento e sentença por causa de problemas de saúde. Dos presentes, dois acabaram absolvidos.

Nas quase duas décadas de processo, acusados como os ex-ditadores Jorge Rafael Videla, da Argentina, Augusto Pinochet, do Chile, Hugo Banzer, da Bolívia, e Alfredo Stroessner, do Paraguai, morreram.

"A Justiça argentina pediu a detenção e extradição de Pinochet, de Banzer e de Stroessner em 2000 e 2001, para que eles fossem julgados aqui. Mas os pedidos foram rejeitados. Na época, Stroessner morava em Brasília, mas o Brasil também rejeitou o pedido de extradição", afirmou a advogada, que coordena a equipe de Memória, Verdade e Justiça do CELS.

Videla chegou a prestar declaração na causa, mas morreu três dias depois na prisão - ele respondia por outros crimes contra a humanidade.

Em 2007, contou Zaldua, o Brasil aceitou um novo pedido feito pela Justiça argentina para extraditar o uruguaio Juan Manuel Cordero Piacentini. Cordero, como é chamado, respondeu por 11 sequestros e desaparecimentos de uruguaios, levados para um centro clandestino mantido na Argentina.

Cordero, de 78 anos, integra o grupo de condenados na sexta-feira. A maioria deles tem quase ou mais de 80 anos, segundo investigadores, e por causa disso deve cumprir prisão domiciliar.

O uruguaio, no entanto, está na cadeia por ter desrespeitado normas da prisão domiciliar, contou Zaldua.

Os condenados ainda poderão recorrer da sentença. Familiares das vítimas e entidades como as Mães da Praça de Maio, formada por mulheres que tiveram filhos desaparecidos na ditadura, acompanharam o resultado na sexta. Eles consideraram a data como "um dia histórico".

Respaldo americano

O Plano Condor, segundo as pesquisas, era respaldado pelos Estados Unidos. Considera-se que seja responsável por 105 execuções e sequestros ocorridos durante os governos ditatoriais da Argentina (1976-1983), Brasil (1964-1985), Uruguai (1973-1985), Paraguai (1954-1989), Bolívia (1971-1978) e Chile (1973-1990).

Em visita à Argentina em março passado, o presidente dos EUA, Barack Obama, determinou a retirada do sigilo de documentos americanos de inteligência relativos ao período, uma reivindicação histórica de organizações locais de direitos humanos.

A sentença argentina simboliza a primeira vez em que a Justiça reconhece o esforço coordenado de ditaduras sul-americanas para o sequestro e desaparecimento de opositores.