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Síria é tabuleiro do jogo de interesses de grandes potências, diz professor

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O território sírio se transformou em um espaço de disputa entre as grandes potências, principalmente os Estados Unidos e a Rússia, e esse tipo de conflito não é novidade no Oriente Médio, que historicamente tem sido palco de guerras com participação externa, com os exemplos mais recentes no Iraque e no Líbano, diz o professor Kai Kenkel, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

Alemão radicado há oito anos no Brasil e doutor em relações internacionais pela Universidade de Genebra, Kenkel diz que a Síria está sendo usada como tabuleiro do jogo de interesses das grandes potências. “Grande parte deste conflito sempre teve a ver com o que estava acontecendo entre Ocidente e Rússia e Ocidente e Irã.”

De acordo com o professor, a Rússia, que tem poucos portos livres de gelo durante o ano inteiro, tem uma grande e importante base naval na cidade síria de Tartus.“Sempre foi muito importante ter um porto próximo da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], no Mediterrâneo".

Para Kenkel, é quase lugar comum considerar o regime do atual presidente sírio, Bashar Al Assad, de difícil apoiamento, por causa de suas posições políticas. O professor afirma, porém, que a simples remoção de Assad poderia deixar um vácuo de poder perigoso. “Existe um consenso de que o regime do Assad não é bom, mas pior seria o vácuo com a saída dele. E isso é importante até na percepção do Ocidente. Se a minoria alauíta [grupo étnico do qual faz parte Assad] é retirada do poder, vamos ter uma maioria sunita na Síria, que vai começar a integrar mais com os outros países sunitas e acarretar uma diminuição do que está à disposição do Ocidente para negociar. E vai criar uma situação, dependendo de quem ganhar, de um governo radical".

Kenkel diz que não tem bola de cristal para saber o que vai acontecer nos próximos meses ou anos no Oriente Médio, mas acredita que uma intervenção de potências estrangeiras não vai funcionar.

“Não acredito que uma intervenção externa, a esta altura, seja uma solução viável para a crise. Acho que, em 2011, houve um momento em que uma intervenção externa teria trazido um resultado que poderia ter salvo muitas vidas na Síria. Mas, hoje em dia, se você cria um quadro de eleições puramente democráticas na Síria, vai gerar um governo completamente intratável para o Ocidente. Os opositores já declararam que querem acabar com os alauítas. Essa seita da família do Assad está encurralada. Se perdem o conflito, perdem a vida".

A professora da Universidade de São Paulo (USP) Arlene Clemesha, doutora em história árabe, também diz que não é possível fazer previsões sobre o futuro do Oriente Médio. Ela afirma, porém, que a integridade territorial da Síria está em risco. “Toda previsão é falha, mas a Síria já tomou o rumo de um Estado fragmentado e falido. É uma realidade, com a agravante dos atores regionais, agora com a Rússia se colocando diretamente".

Entre os interesses diretos da Rússia na região, Arlene cita dois objetivos, um tático e outro econômico: “manter uma base [naval] é parte dos interesses russos. Eles querem uma saída para o Mediterrâneo e também querem manter todo um investimento que já foi feito, continuando um parceiro privilegiado da Síria". 

A Embaixada da Síria no Brasil foi procurada para comentar os temas da reportagem, mas não indicou ninguém para falar sobre o assunto, preferindo enviar textos e documentos que refletem o pensamento oficial sobre as questões. Nos textos, rebate-se o apoio armado de países como Reino Unido, França e Austrália aos rebeldes e afirma-se que qualquer presença armada nos territórios sírios, de qualquer país que seja, sem a aprovação do governo, com o argumento de combater o terrorismo, é considerada uma violação à soberania da Síria. 

“O combate ao terrorismo em territórios sírios exige uma estreita coordenação com o governo local, com o objetivo de implementar as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas relativas ao tema do combate ao terrorismo".

Em outro texto, é reproduzida entrevista do presidente Bashar Al Assad a um canal de televisão, em agosto deste ano, na qual ele fala sobre as premissas básicas para encerrar o conflito. “A soberania da Síria, a unidade territorial da Síria e a determinação do povo sírio. Isso significa que não haverá mobilização de nenhuma parte, porque, no final, a decisão será puramente nacional. Em termos práticos, deve haver uma base para qualquer iniciativa, que comece, se fundamente e se apoie no combate ao terrorismo. Qualquer iniciativa que não inclua o item do combate ao terrorismo como primeiro item não terá valor".