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'El País': O longo caminho até a presidência argentina

Começa a surgir, dentro do peronismo, o ‘pós-kirchnerismo’

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O jornal espanhol El País publicou na terça-feira (01/09) uma análise feita por María Matilde Ollier reitora da escola de política e governo da Universidade de San Martin, em Buenos Aires sobre o panorama atual da política argentina, que se prepara para as eleições deste ano. 

“O caminho até a presidência argentina é jogado em três tempos: as primárias abertas, as simultâneas e obrigatórias (PASO) de agosto, a eleição geral de outubro e, se nenhum candidato conseguir 45% e mais 1 dos votos, o segundo turno de novembro. 

As forças políticas propõem candidatos sedutores para os eleitores a fim de obter resultados positivos, sem importar quanto do programa de governo é compartilhado. Uma descarnada conveniência eleitoral guia a decisão de unir-se ou de selecionar um postulante.

Nessa construção de coalizões, que é replicada em nível nacional, provincial e local, os candidatos, ao carecer de fronteiras ideológicas ou partidárias, constroem um projeto de poder em torno deles. Nesta ocasião, no entanto, surgem diferentes estratégias eleitorais. Enquanto o peronismo concorre com uma só candidatura presidencial, dando a sua campanha unidade em todo o país, não ocorre o mesmo com as diferentes variantes da oposição. Aqui coalizões provinciais costumam dar respaldo a diferentes postulantes à presidência. Porém, a ausência de correlação entre as coalizões nacionais e provinciais faz com que partidos aliados na ordem federal compitam sem trégua em nível provincial.

O dado que marca o rumo de governistas e opositores na corrida presidencial ocorre na província de Buenos Aires, quando um ex-kirchnerista, Sergio Massa, triunfou nas eleições legislativas de 2013. Essa vitória freia a tentativa de uma reforma constitucional capaz de habilitar Cristina Kirchner para um terceiro mandato. A alternativa, que seu vice-presidente Amado Boudou possa sucedê-la, é frustrada pelo desprestígio que os processos judiciais contra ela acarretaram. Ao bloquear, então, a alternância continuista, e diante do desafio de encarar a sucessão, começa dentro do peronismo a emergência do pós-kirchnerismo.

Inicialmente, a presidenta propõe uma concorrência entre Daniel Scioli, o peronista melhor posicionado nas pesquisas, e Florencio Randazzo, mais próximo ao kirchnerismo duro. Dispõe então de uma mudança: que o segundo seja candidato a governador por Buenos Aires, província decisiva eleitoralmente já que reúne 40% do total. Diante da negativa de Randazzo, sobra irremediavelmente Scioli. Há então Carlos Zannini, sua mão direita, na fórmula de vice-presidente e seus seguidores nas listas legislativas de todo o país, organizando para 2016 um projeto de poder parlamentar.

Surgem várias incógnitas. O pós-kirchnerismo conterá em seu núcleo o kirchnerismo ou vai se inaugurar uma nova etapa do justicialismo no poder comandada pelo sciolismo? Neste caso Scioli será o coveiro eleitoral de Cristina assim como Néstor Kirchner foi de Eduardo Duhalde, o peronista que lhe permitiu alcançar a presidência?

A Unión Cívica Radical, principal partido opositor, nem fortaleceu seu poder eleitoral nem gerou uma liderança de maioria. Primeiro promoveu uma coalizão de centro-esquerda, UNEN, com o Partido Socialista, a Coalición Cívica, o GEN e Proyecto Sur, para logo depois rompê-la em busca do candidato presidencial da oposição melhor posicionado nas pesquisas, Mauricio Macri, líder do PRO. Completa o panorama da oferta eleitoral mais competitiva, Massa, cujo triunfo de 2013 o faz permanecer na corrida presidencial. Como consequência, os três postulantes mais competitivos acabam pertencendo à centro-direita, ficando a centro-esquerda órfã de uma liderança capaz de disputar a maioria.

A pergunta  sem resposta é: o que Cristina Kirchner fará? Seja quem for o vencedor eleitoral, pode tentar dois caminhos. Olhando para o Chile, tornar-se a Michelle Bachelet de Sebastián Piñera e pretender voltar em quatro anos, caso o prêmio maior vá para Macri ou para Massa. Olhando para a Rússia, transformar-se em Vladimir Putin se Scioli triunfar, e isto permite, deixando ao novo presidente o papel de Dimitri Medvedev, que Cristina fique em condições de voltar em 2019. Uma clara certeza se esconde por trás das duas opções: ganhe quem ganhar começa dentro do peronismo a disputa pela liderança. Se Scioli for favorecido, deverá conquistar a direção pois o justicialismo não tolera o comando duplo. Se perder vai arrastar Cristina junto com ele. Deste modo, fica aberta a vaga de chefe do movimento.

No entanto, qualquer que seja o resultado eleitoral, o futuro sem dúvidas reserva uma novidade. Se Massa se impor, pela primeira vez com o peronismo estando no poder, um dissidente de seu próprio espaço conseguiria a presidência do país. Por outro lado, se Scioli vencer, pela primeira vez uma maldição bonaerense (de Buenos Aires) seria encerrada, segundo a qual um governador da província jamais chegou à Casa Rosada. Finalmente, se Macri for o vitorioso, pela primeira vez um candidato sem tradição radical ou peronista, alcançaria - em eleições limpas e sem proscrição - a presidência da República. Qualquer novidade que acontecer irá inaugurar diferentes rumos na política argentina”.