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'NYT': Grande risco para as relações Cuba-EUA é ir rápido demais

Transição gradual para um comércio mais livre e um sistema de mercado híbrido é a melhor opção

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O jornal americano The New York Times publicou nesta sexta-feira (19/12) um artigo sobre a reaproximação entre Estados Unidos e Cuba e uma análise sobre os riscos que uma mudança repentina pode trazer.

"Uma relação econômica normal entre Estados Unidos e Cuba demorou muito a acontecer; o duro embargo contra a ilha vigora há mais tempo do que a vida do presidente dos Estados Unidos. Mas se Cuba e Estados Unidos vão se tornar aliados um dia, com profundas conexões econômicas que se pode esperar de dois países separados por apenas 145 quilômetros de distância, um dos maiores riscos pode ser o movimento rápido demais", escreve o jornalista Neil Irwin.

Essa é a conclusão de alguns acadêmicos que são muito favoráveis à liberalização de Cuba — mas querem que isso seja feito da forma correta. Gary Clyde Hufbauer e Barbara Kotschwar, acadêmicos na Peterson Institute for International Economics, publicaram um livro nesta primavera analisando a dura tarefa de reintegrar as duas economias no momento em que Fidel e Raúl Castro desaparecerem da cena política. Suas conclusões sugerem que seria imprudente  imaginar um retorno rápido aos dias em que turistas americanos frequentavam o Tropicana, e o Federal Reserve de Atlanta tinha um escritório em Havana.

Eles argumentam que há um modelo de como não fazer a transição, um exemplo emblemático é a “terapia de choque” na Rússia com enfoque na privatização de indústrias e a introdução de um governo democrático depois da queda da União Soviética.

“O mundo já testemunhou o mergulho de cabeça da Rússia no capitalismo, e as terríveis consequências quando uma economia é capturada por oligarcas e tomada pela corrupção, com instituições democráticas só na aparência,” escrevem Hufbauer e Kotschwar em seu novo livro, “Economic Normalization With Cuba.”

“Para muitos russos, a transição do comunismo para o capitalismo foi um desastre,” escrevem eles. “Sem uma estrutura institucional adequada, algo bem parecido pode acontecer em Cuba, devido ao seu leque de empresas estatais fortemente ligadas aos militares e sua burocracia enraizada.”

Cubanos — e americanos que querem fazer negócios lá — ficariam numa situação melhor se copiassem o Vietnã e a China, dois países que migraram do comunismo ao sistema híbrido que é chamado oficialmente de comunista mas pratica capitalismo de mercado livre a um grau elevado. Isso permitiu a eles que se tornassem mais totalmente integrados na economia global e ajudou milhões de seus cidadãos a saírem da pobreza ao longo da última geração sem derramamento de sangue ou revolução.

Como essa estratégia de ação gradual pode se desenrolar em Cuba? Hufbauer e Kotschwar preveem a liberalização acontecendo passo a passo, com cada passo marcado por uma maior integração no sistema econômico e político liderado pelos Estados Unidos.

Eles escrevem que, por exemplo, se os Estados Unidos permitem que os americanos viajem para Cuba a turismo (um passo que o governo Obama interrompeu na série de passos em direção à liberalização anunciados na quarta-feira), Cuba deveria se comprometer a permitir redes hoteleiras americanas a operarem em pé de igualdade com os resorts cubanos e europeus.

Ou se os Estados Unidos permitirem que Cuba se junte ao Fundo Monetário Internacional, Cuba deveria se comprometer com o passar do tempo a consentir com as regras de liberalização do mercado da Organização Mundial do Comércio.

E do mesmo jeito que empresas cubanas têm a permissão de exportar charutos e outros bens para os EUA, empresas americanas devem ter garantida a liberdade para investir em Cuba em termos comparáveis a aqueles de outros empreendimentos internacionais.

"Para dois países que mal conversavam por quase três gerações, há um longo caminho pela frente para construir o tipo de confiança que os Estados Unidos desfrutam com a maioria de seus vizinhos. A abordagem que Hufbauer e Kotschwar esboçam é uma maneira de construir essa confiança passo a passo. Pode-se imaginar que as negociações que levaram a essa distensão, que ocorreram no Canadá e no Vaticano, são os primeiros passos na direção desse tipo dessas idas e vindas mútuas que se vê em relações políticas e comerciais normais.

Porém, uma coisa é certa. Vendo o quão hostis estão as relações entre Estados Unidos e Rússia mais de duas décadas depois da queda da União Soviética, americanos têm um forte interesse enraizado em evitar um líder parecido com Putin em Cuba, a 145 quilômetros de sua costa", conclui o artigo do New York Times.