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Demissão de chanceler agrava divisões no Irã, dizem analistas

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BEIRUTE - A demissão do ministro de Relações Exteriores do Irã, Manouchehr Mottaki, por ordem do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, na última segunda-feira, expôs ainda mais as divisões entre os círculos do poder conservador no país, segundo analistas ouvidos pelo Terra.

Segundo eles, a saída de Mottaki pode ter colocado em evidência as diferenças entre os próprios conservadores, os que são leais ao presidente Mahmoud Ahmadinejad e aqueles críticos de suas políticas econômicas e sociais.

O anúncio da demissão do ministro de Relações Exteriores iraniano, Manouchehr Mottaki, aconteceu enquanto ele estava em uma missão diplomática no Senegal e sem uma razão aparente.

Para o posto de Mottaki, Ahmadinejad apontou o chefe da Organização de Energia Atômica do país, Ali Akbar Salehi, tido como seu aliado próximo e que ficará no Ministério em caráter temporário.

A saída de Mottaki, no entanto, não foi bem recebida por vários círculos do governo iraniano, incluindo conservadores e membros do Parlamento, que dão apoio à administração de Ahmadinejad.

No dia seguinte à demissão, o presidente do Irã enfrentou críticas de parlamentares e aliados pelo insulto e a forma descortês de como tratou Mottaki, informado de sua demissão enquanto levava uma mensagem do país às autoridades senegalesas.

A troca do ministro acontece em um momento em que o Irã participa de negociações com as potências estrangeiras em torno de seu programa nuclear. O Conselho de Segurança da das Nações Unidas impôs sanções econômicas ao Irã, após os Estados Unidos e outros países acusarem o país persa de perseguir o desenvolvimento de armas nucleares. O governo iraniano nega e alega que seu programa tem fins pacíficos.

Mottaki, no cargo desde 2005, não fez comentários públicos sobre sua demissão, mas retornou ao Irã na última terça-feira e foi recebido por colegas no Ministério em uma demonstração de apoio e protesto contra sua saída.

Comentaristas políticos do Irã especularam que a saída de Mottaki se deveu às críticas que ele vinha sofrendo por setores ultra-conservadores do país, como a Guarda Revolucionária, braço forte das Forças Armadas, que culpou o ministro por não fazer o bastante para evitar as sanções da ONU ao Irã.

Desavenças

Líderes iranianos tentaram amenizar a situação, dizendo que a troca de Mottaki não significaria uma mudança de política externa do Irã. Mas a estratégia não convenceu parlamentares e parte da mídia iraniana, que especulou sobre possíveis desavenças dentro da liderança conservadora do governo de Ahmadinejad. Alguns políticos criticaram o presidente e o acusaram de transformar sua presidência em uma ditadura.

"A demissão do ministro de Relações Exteriores durante uma missão estrangeira terá um alto preço para a diplomacia iraniana", declarou Mohammad Karamirad, um membro do influente Comitê de Política Externa e Segurança Nacional do Parlamento iraniano.

"Ele foi removido da pior maneira e o resultado é que o mundo está rindo de nós", disse outro parlamentar, Ghodratollah Alikhani para a mídia iraniana.

Manobras políticas de Ahmadinejad esvaziaram o poder do ministro. Há alguns meses, Mottaki ficou contrariado com a criação de um conselho, liderado pelo chefe de gabinete do presidente, Esfandiar Rahim-Mashai, e composto por pessoas leais a Ahmadinejad, colocando a política externa diretamente sob controle do presidente.

"A posição de Mottaki se resumiu a um porta-voz da política externa do Irã, alguém para aparecer em frente às câmeras e repetir o que outros decidiram", disse ao Terra o analista político Mahjoob Zweiri, especialista em Irã da Universidade do Catar.

Segundo o analista, Mottaki tentou em algumas ocasiões protestar contra o esvaziamento de seu poder, mas sem resultados, acusando os "enviados especiais" do conselho de fazer uma polítia externa "paralela".

O posto de ministro de Relações Exteriores é indicado diretamente pelo Líder Supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, e a troca de Mottaki necessitaria da aprovação dele. No entanto, o líder iraniano não se pronunciou a respeito.

"Khamenei certamente sentiu que o Irã está em um momento delicado no cenário internacional e não achou conveniente expor ainda mais o país", disse Zweiri.

Impeachment

Para outro analista, o cientista político independente Farid Marjai, a troca de Mottaki enfatiza o momento delicado do presidente iraniano na sua política doméstica, sofrendo rejeição até entre aliados políticos conservadores.

"Certamente que há algo de errado ocorrendo dentro da administração iraniana. Ahmadinejad já não é mais uma unanimidade entre os conservadores já faz algum tempo", disse ele.

Ele aponta para o fato de certas decisões de Ahmadinejad já não terem o aval do aiatolá Khamenei, e que círculos políticos na capital Teerã falam, inclusive, de atritos entre os dois líderes.

"Os dois tiveram divergências evidentes sobre a nomeação de alguns ministros e outros postos no governo. Certamente que a demissão de Mottaki deverá criar mais um mal-estar entre Ahmadinejad e Khamenei", completou Marjai.

Mahjoob Zweiri salienta que Ahmadinejad escolheu a política externa e o programa nuclear como prioridades para desviar a atenção da população para os vários problemas econômicos que o país atravessa.

A economia iraniana sofre com a falta de investimentos na indústria petrolífera, principal fonte de dividendos, situação agravada pelas sanções da ONU. A crise piorou depois que quatro grandes petroleiras estrangeiras, a Shell, Total, ENI e Statoil deixaram de operar no país.

Para piorar, a famosa indústria de tapeçaria persa, antes avaliada em US$ 500 milhões, vem se desintegrando graças às sanções. A inflação, oficialmente nos 10%, aumenta a cada mês (economistas acreditam que a inflação está nos 24%), e a moeda iraniana vem sofrendo desvalorização constante frente ao dólar.

O desemprego, segundo dados oficiais do governo, está nos 22% (outros especialistas falam em índices perto dos 40%), e 75% destes desempregados estão abaixo dos 30 anos. Dados também mostram que cerca de 40% dos iranianos vivem abaixo da linha de pobreza.

"Com tantos problemas e críticas crescentes, era natural que Ahmadinejad colocasse os ataques externos ao programa nuclear do país como uma questão nacional. A retirada de Mottaki, mais pragmático e menos agressivo, foi estratégica", disse Zweiri.

De acordo com o analista, para piorar o descontentamento da população, Ahmadinejad resolveu retirar subsídios do governo a vários produtos como combustíveis, comida, energia e produtos básicos como leite, óleo de cozinha e farinha. Os subsídios correspondem a 30% do orçamento do governo e são fonte de sobrevivência para muitos iranianos das classes pobre e média.

Aliado a isso, parlamentares acusaram Ahmadinejad de retirar cerca de US$ 9 bilhões dos US$ 600 das reservas internacionais do Irã sem a aprovação do Parlamento, e criticam as constantes violações de leis do país com medidas quase absolutistas.

"Por várias vezes, o Parlamento iraniano tentou iniciar um processo de impeachment baseado em diversas irregularidades. Mas em todas elas, o presidente iraniano sobreviveu, ancorado no apoio da ala ultra-conservadora", falou Zweiri.

"O silêncio do aiatolá Khamenei é a grande questão. Até quando ele permanecerá silencioso, ninguém sabe. Mas a vergonhosa demissão de Mottaki talvez tenha sido a gota d'água para ele", falou Farid Marjai.