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Uma nova revolução na Nicarágua

Caravana do país centro-americano visita Brasil para denunciar crimes do regime

Inti Ocon/AFP -
Manifestante ferido por tiro no braço durante protesto é carregado em caminhonete
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Ariana Villalta, 25, tira o celular e mostra uma foto dela aos cinco anos, segurando uma bandeira rubro-negra. São as cores da Frente Sandinista de Libertação da Nicarágua (FSLN). A jovem diz que em seu país, todos, de alguma maneira, foram influenciados pela Revolução Sandinista, que em 1979 tirou do poder o ditador Anastasio Somoza. Trinta e nove anos depois, no entanto, ela luta contra o partido que um dia deu esperança para milhares de cidadãos nicaraguenses e inspirou a esquerda latino-americana. Ariana diz que Daniel Ortega, líder do movimento e presidente do país, é um traidor. Ao lado de outros compatriotas, ela participa de uma caravana pela América do Sul para denunciar crimes cometidos pelo regime orteguista e criar rede de apoio aos ativistas. A missão chega hoje em São Paulo.

“Decidimos sair do país para denunciar os crimes contra os cidadãos e as violações aos direitos humanos, e criar uma rede de solidariedade internacional. Encontramos alguns governos, partidos políticos e principalmente grupos de esquerda, como forma de isolar Ortega”, diz Carolina Hernández, 36, do Movimento Nacional contra a Mineração Industrial.

Lei antiterrorismo

Antes de São Paulo, o grupo passou por Chile, Argentina, Uruguai, Porto Alegre e Rio de Janeiro, cidade na qual se encontrou com setores progressistas e movimentos sociais. Em todos os locais, a caravana conta com a ajuda de cidadãos nicaraguenses. Desde 19 de abril o país centro-americano vive uma onda de violência que, segundo organizações de direitos humanos, deixou mais de 480 mortos. A oposição, que pede a renúncia do presidente, acusa o governo de Ortega de reprimir violentamente a população.

Ariana, representante da Coordenadoria Universitária pela Democracia e Justiça, diz que somente deste movimento pelo menos 30 pessoas foram presas nas últimas duas semanas, sendo que sete permanecem em um centro de detenção ilegal. “São líderes estudantis, que organizaram as marchas, apoiam os manifestantes levando água e comida, escrevem e falam muito contra o regime”, diz a jovem.

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Manifestante ferido por tiro no braço durante protesto é carregado em caminhonete (Foto: Inti Ocon/AFP)

Um dos maiores medos no momento é ser condenado pela lei de antiterrorismo, aprovada em 20 de julho pelo governo de Ortega. Os ativistas afirmam que por meio dela opositores são acusados de terrorismo, assassinato, roubo, confecção de armas de destruição em massa e queimar instalações públicas. Ariana diz que, hoje, “qualquer ato público contra o governo, qualquer apoio às manifestações e às barricadas, ou simplesmente andar com bandeiras e panos (o movimento utiliza as cores da bandeira nicaraguense) nas ruas pode ser considerado um ato de desestabilização ao governo”.

Os membros da caravana explicam que a situação na Nicarágua está numa nova fase. Primeiro foram as chamadas “turbas”, grupos leais a Ortega e seu partido, que reprimiam os manifestantes. “Como não foi suficiente, surgiram os paramilitares, que andavam em caminhonetes fortemente armados, com fuzis e metralhadoras. Eles sequestram, torturam e matam”, denuncia Ariana.

Pacificação e desarmamento

Agora, o regime atua com as prisões. “Os ataques diretos ainda existem, mas diminuíram. Atualmente estão encarcerando e levando os líderes sociais e estudantis aos tribunais, sem direito a defesa e advogados independentes. O objetivo é criminalizar os protestos por meio da lei”, explica Ariana. Por ironia macabra, muitos detidos estão na penitenciária El Chipote, a mesma usada por Somoza no passado. “Por outro lado, nenhum paramilitar ou membro do governo que aparecem em vídeos que comprovam sua participação em mortes foi julgado”, critica ela. Para piorar, o grupo denuncia que nenhuma associação de direitos humanos ou organismos internacionais, como a ONU e a OEA (Organização dos Estados Americanos), pode entrar no país.

A caravana saiu de Manágua, mas não retornará para a capital. Após São Paulo, o grupo segue para o Peru. Depois, os nicaraguenses não sabem para onde vão. “A insegurança para nosso retorno ao país é bastante grave, poderíamos ter bastante problemas, principalmente após os resultados da nossa viagem. As denúncias que fizemos contro o governo são bastante fortes e contundentes. Assim como todas as pessoas que estão na Nicarágua, corremos o risco de ser presos e julgados”, afirma Ariana.

Para o futuro, a meta é pacificar a Nicarágua, com um cessar-fogo da repressão e o desarme dos paramilitares. Depois, a instalação de uma comissão da verdade internacional para julgar os culpados de crimes contra os direitos humanos. E, por fim, a formação de um governo de transição e de novas forças políticas, com a volta da democracia, e só então a realização de eleições. “Mas de dentro da Nicarágua não temos condições de fazer tudo isso”, pondera Ariana.

“Trata-se de um processo revolucionário. Uma nova revolução, que não parte da Revolução Sandinista de 79, é outra coisa. Algo na consciência política dos nicaraguenses que mudou. E nós somos protagonistas deste momento”, diz Ariana.

A nova consciência, alinhada com movimentos progressistas ao redor do mundo, não fala mais somente de igualdade, mas abrange temas como ecologia, feminismo e luta contra o preconceito. As novas bandeiras, no entanto, ainda vão ter que esperar lutas mais urgentes. “A curto prazo nosso objetivo é sobreviver”, diz o estudante Jader Gutiérrez, que perdeu um irmão assassinado durante a onda de violência na Nicarágua.

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