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Não somos golpistas, diz líder de movimento universitário na Nicarágua

Do exílio na Costa Rica, Zayda Hernández denuncia perseguição a opositores

Arquivo Pessoal -
Zayda Hernández
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“Minha vida mudou completamente”, conta Zayda Hernández, 24, uma das líderes do movimento universitário contra o governo do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega. A estudante de engenharia, que tinha um dia a dia relativamente pacato em Manágua, hoje vive na Costa Rica, onde muitos nicaraguenses se refugiaram devido à repressão aos protestos iniciados em 19 de abril, que pedem a renúncia do dirigente sandinista ou a antecipação das eleições. Segundo organizações, o número de mortos no país em decorrência onda de violência é de 322. Além disso, cerca de 500 pessoas estariam presas por participar das manifestações, que diminuíram consideravelmente nas últimas semanas. Zayda diz que os ideais da revolução foram traídos e que a oposição foi desarticulada a custa de assassinatos, que afirma ter presenciado dentro da Universidade Nacional de Engenharia. Da diáspora, ela busca ajudar na reorganização do movimento, e diz que “luta por liberdade e democracia”.

O que mudou na sua vida após o início dos protestos?

Minha vida na Nicarágua mudou totalmente desde 19 de abril, quando começaram os protestos, que se iniciaram em função da reforma na seguridade social. O país vive sob o terrorismo de Estado nas mãos do regime de Daniel Ortega e Rosario Murillo (vice-presidente e primeira-dama). A relativa paz e a tranquilidade do país se perderam. Antes de tudo isso não havia tantos massacres, nem a violência e repressão que sofremos nos últimos meses. Também temos censura à imprensa e violência contra os meios de comunicação, que não eram algo comum. A violência não é dirigida apenas contra a comunidade universitária, mas contra toda a população. Tem ocorrido delitos graves de lesa-humanidade. Queremos que tudo isso seja tipificado como realmente é. A Nicarágua é hoje desgovernada por um casal de genocidas.

O que desejam os estudantes que estão se manifestando?

Queremos democracia e justiça por meio do processo constitucional. Queremos uma via pacífica, a mesa de diálogo, para solucionar a crise, embora a outra parte não tenha vontade política de fazer isso. Nossa revolução é cívica e pacífica, e assim vai continuar até o dia em que conquistarmos o que desejamos. Uma de nossas formas de exercer pressão interna eram as marchas. Conseguimos parar o país com várias barricadas em todo o território nacional. Queremos liberdade e uma vida normal, como tínhamos antes. Como jovem quero entrar no mercado de trabalho por competência, não por afinidade com partidos políticos.

E quem são essas pessoas que protestam?

Os manifestantes são universitários, sociedade civil, camponeses, setor empresarial, ou seja, toda a Nicarágua. Tanto os nicaraguenses dentro do país como a diáspora organizada pelo mundo. Existem mais de cem cidades fora da Nicarágua onde há um movimento organizado, exercendo pressão e apoiando a luta. Vivo hoje na Costa Rica junto com outros refugiados. A ditadura abriu investigações contra líderes opositores. Aqui articulamos a oposição e trabalhamos em um plano de política cidadã, com temas de direitos humanos e defendendo os imigrantes.

Bandeiras como feminismo, sustentabilidade, luta contra o racismo e homofobia fazem parte do movimento e da realidade dos jovens locais?

Com certeza fazem parte da realidade dos jovens nicaraguenses, pois esta é uma revolução de inclusão. Aqui não importa a qual estrato social você pertence, não importa se são camponeses, universitários ou feministas. O lema fundamental é que a revolução será de todos, ou não será.

Ortega diz que os manifestantes são golpistas. Como reage à acusação?

Não somos golpistas. Somos apenas cidadãos indignados, reclamando, querendo que nossos direitos sejam válidos na Nicarágua. Estamos acostumados ao discurso histórico de Ortega, que sempre foi baseado em mentiras. Ele estava acabado midiaticamente. Há 11 anos que não dava nenhuma entrevista, mas recentemente buscou dois canais internacionais para falar. E, por casualidade, a primeira entrevista foi para o canal “Fox News”, da ultradireita dos Estados Unidos. Mas, segundo ele, é a ultradireita que está tentando dar um golpe, e que somos financiados pela CIA, pelo imperialismo. Mas ele e seus filhos, sua família em geral, amam o império. Caso contrário, não usariam nenhum dos benefícios oferecidos pelos Estados Unidos.

Você já foi vítima ou presenciou cenas de violência por parte das forças de segurança e paramilitares?

No dia 19 de abril, estava nas proximidades da Universidade Nacional de Engenharia e fui agredida pelas forças antidistúrbios do país. Usaram bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. No dia 20 de abril, presenciei a morte de vários companheiros dentro do campus da universidade de engenharia pelas mãos da polícia e das turbas do regime. Outra experiência difícil, como amiga, cidadã e parte do movimento universitário, foi o assassinato de um colega membro do movimento. Ele foi levado e torturado com muita violência. Arrancaram seus dentes, quebraram seus pés e jogaram ácido em seu corpo, que apresentava sinais de estrangulamento.

Como vê a Revolução Sandinista e seu legado?

O que um dia representou a população nicaraguense hoje não é aceito pela juventude e pelo resto dos cidadãos. Não estamos de acordo e não vamos permitir tanto sangue derramando pelas mãos deste regime. As novas gerações acham que o partido (Frente Sandinista de Libertação Nacional, de Ortega) deve desaparecer por completo. Todos os ideais pelos quais a revolução lutou foram traídos. Quem lutou por ela um dia, hoje está contra.

Como está a situação agora no país?

Todas as barricadas e bloqueios da oposição foram desarticulados pelo regime à custa de repressão e morte. Agora, estamos reorganizando nossas bases.