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Síntese da Conjuntura: 'A era das incertezas', por Ernane Galvêas

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A Confederação Nacional do Comércio (CNC), em seu boletim “Síntese da Conjuntura”, elaborado pelo economista e ex-ministro da Fazenda Ernane Galvêas, faz as análises do atual cenário econômico. Veja abaixo o boletim quinzenal: 

A ERA DAS INCERTEZAS

O mundo anda desarrumado, nos últimos 30 anos, com as imigrações de árabes, africanos, caribenhos e o terrorismo islâmico assustador, que está amedrontando a Europa.

Por cima desse caldo de cultura, surge agora o terrorismo Trump, que ameaça desarrumar o mundo ainda mais. Contra ele vão se levantando grupos de pessoas e de países, elevando o clima de incertezas sociais, políticas e econômicas. Com pouco mais de um mês de Governo, já vão se elevando as vozes do impeachment que poderá ser um marco de vergonha na história dos Estados Unidos.

Até o final do ano, podemos ter grandes novidades. Negativas. Enquanto isso, o Brasil vai ensaiando os primeiros passos para sair da atual crise político-econômica. Oxalá.

TAXA DE JUROS E INFLAÇÃO

Há pelo menos três anos que, em reunião, os economistas do Conselho Técnico da CNC vêm se posicionando contra a política monetária de alta taxa de juros praticada pelo Banco Central. No meio da maior crise econômica do Brasil, o BC manteve a taxa básica SELIC em 14,25% durante 16 meses, de 2015 a 2017. A maior taxa real de juros do mundo.

As posições contrárias à do Banco Central vêm aumentando e, agora, o economista Lara Rezende acentuou a afirmação de que altas taxas de juros causam inflação, e não o contrário.

No caso do Brasil, na atual conjuntura de recessão, de crescente déficit fiscal e incontrolada expansão da dívida pública, é fácil perceber o que afirma Lara Rezende e os economistas da CNC: os juros altos agravam o déficit fiscal e elevam a dívida pública; os juros altos transferem renda dos contribuintes que pagam impostos para os investidores em títulos do Governo, aumentando a renda financeira e alimentando a demanda de bens e serviços.

Teoricamente, todos os economistas sabem que a taxa de juros é a melhor arma para combater uma inflação de demanda. Acontece que esse não é o caso do Brasil, há mais de três ou quatro anos.

Está aberto nos círculos acadêmicos interessante debate sobre a taxa de juros básica (SELIC) e a inflação. Há mais de três anos, vimos defendendo a tese de que, numa conjuntura de recessão, como a atual, a alta taxa de juros (SELIC) produz efeitos contrários aos esperados no controle da inflação.

A defesa teórica dessa tese consiste em afirmar que se a inflação é causada, pelo menos em parte, pelo permanente déficit fiscal e a pressão da crescente dívida pública, então a alta de juros é um dos fatores eficientes para sustentar as expectativas de inflação e não o contrário. Empiricamente, é fácil demonstrar que durante longos períodos, em um passado relativamente recente, existiu uma alta correlação entre a taxa de juros alta e alta inflação e não o contrário.

A TAXA DE CÂMBIO

O Banco Central trabalha com duas ferramentas importantes: a taxa de juros, para controlar o nível de oferta e demanda de crédito, e a taxa de câmbio, para buscar o equilíbrio das contas externas. Trabalha mal as duas taxas. Com a taxa de juros real mais alta do mundo, impulsionou o déficit fiscal e levou a dívida pública a um nível insuportável; com a taxa de câmbio desgovernada, estão desestabilizadas as contas do balanço de pagamentos.

É consenso no mercado que a taxa de câmbio, na conjuntura atual, deveria ser mantida em torno de R$ 3,50 por dólar. Na 1a. semana de fevereiro, estava em R$ 3,11/US$.

O DILEMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

O princípio fundamental da Previdência Social deve ter por base que cada empresa com seus empregados, públicos ou privados, tem que prover o financiamento das respectivas aposentadorias e pensões.

O princípio fixado na Constituição de 1988, de que a Previdência Social deve ser financiada “por toda sociedade” é um equívoco trágico. No atual sistema brasileiro, o déficit do SGPS está sendo coberto pela arrecadação da Cofins e da CSLL pagas por todas as empresas privadas. O déficit do sistema previdenciário público vai para o orçamento do Governo, pois é pago por todos os contribuintes. O erro está em que o empregador público – União, Estados e Municípios – não contribui para o sistema.

Do mesmo modo, não faz sentido dar isenção da contribuição previdenciária a empresas ou instituições que têm empregados em seus quadros, sejam elas religiosas, esportivas ou de beneficência social. Qualquer um que tenha em seus quadros de pessoal trabalhadores que, com o tempo, serão aposentados, tem que prover o financiamento de sua aposentadoria, pagar a parcela do empregador e descontar do salário a contribuição do empregado. De outra forma, a equação não fecha.

MAUS CONSELHOS DE MAUS CONSELHEIROS

O Presidente Temer está sendo provocado a se unir a ex-Presidentes, com vistas a estabelecer uma pauta de medidas baseadas em experiências anteriores. A nosso ver, é falsa essa proposta. Os Governos anteriores a Temer deixaram uma herança pesada de retrocesso na administração pública, responsável pelo trágico nível de desemprego atual. Não há o que aproveitar do quadro de medidas econômicas adotadas nos últimos 30 anos, com algumas poucas exceções.

Propor, por exemplo, que não se pode fazer uma reforma da Previdência em período de recessão, é um equívoco de quem ignora o problema e suas consequências sociais.

CAUSAS DA RECESSÃO

“A causa principal da recessão que começou em 2014 foi o descontrole das contas públicas. Da década de 90 para cá, o Governo aumentou sua despesa em praticamente o dobro do crescimento do PIB. O gasto primário da União, que correspondia a 11% do produto, em 1991, atualmente representa 19%.

Outro fator importante, como trava das atividades econômicas, foi o juro SELIC do Banco Central, elevado de 11,25% em 2014 para 14,25% em julho de 2015, onde permaneceu por 16 meses, até setembro de 2016.

Juro alto aumenta o poder aquisitivo dos investidores financeiros (demanda), ao mesmo tempo em que reduz a oferta de bens e serviços.

Ademais, aumenta o déficit fiscal e a dívida pública, reduzindo os investimentos do Governo.

Acrescente-se a esse quadro o menor crescimento da China, de 10% nos anos 90 para 6% a partir de 2015.”

(Claudia Safatle – Valor, 20/1/17)

ATIVIDADES ECONÔMICAS

Empresários e consumidores começaram o ano mais confiantes após a queda da inflação e a redução dos juros, mas os sinais na economia real ainda são fracos.

A redução do endividamento das famílias depende da recuperação da economia e vice-versa. O Brasil enfrenta a pior das recessões da história porque os consumidores não possuem mais renda para retomar os gastos.

PIB e Investimentos

Embora os analistas do mercado projetem crescimento de apenas 0,5% do PIB neste ano, o Governo aposta na retomada no primeiro trimestre, quando a economia deve crescer entre 0,3% e 0,5%. O ponto de “virada” da economia brasileira já começou na avaliação do Ministério da Fazenda, dando início a uma fase de reação da atividade econômica que deve se acelerar até o fim do ano.

Indústria

Começaram a surgir os primeiros sinais de que o cenário de crise parou de se deteriorar em vários setores da economia, tanto quando se olha a produção da indústria quanto à confiança dos empresários. A alta de 2,3% da produção industrial em dezembro, depois de aumento de 0,4% em novembro, reforçou a expectativa de que 2017 seja um ano de crescimento. Além disso, quase metade de 26 setores da indústria teve alta na produção em dezembro, na comparação anual.

A balança comercial da indústria de transformação teve grande repercussão em 2016. Houve déficit de US$ 2,4 bilhões, resultado negativo muito menor do que os US$ 30,7 bilhões de 2014. O déficit da indústria do ano passado resultou de US$ 121,8 bilhões em exportações e US$ 124,23 bilhões em importações.

O Brasil bateu recorde de produção de petróleo em dezembro ao atingir a marca de 2,73 milhões de barris por dia. A alta é de 4,7% ante novembro e de 7,8% ante dezembro do ano anterior.

Comércio

A confiança dos empresários do comércio aumentou 18,4% em janeiro deste ano, ante janeiro do ano passado. Quando a comparação se dá com dezembro de 2016, no entanto, série ajustada sazonalmente, o resultado é negativo em 2,3%.

A atividade do varejo registrou queda de 4,2% em janeiro, na comparação com o mesmo período do ano passado. Ante dezembro, o recuo foi de 2,1%, feitos os ajustes sazonais. O aumento do desemprego e a necessidade do consumidor em quitar dívidas para sair da inadimplência mantiveram o consumo enfraquecido, no primeiro mês de 2017.

O comércio varejista brasileiro teve o pior ano da sua história em 2016. O setor bateu recordes de fechamento de lojas, de demissões e de queda nas vendas. Entre aberturas e fechamentos, 108,7 mil lojas formais encerraram as atividades no País no ano passado e 182 mil trabalhadores foram demitidos, descontadas as admissões no período.

Agricultura

A agricultura é um dos poucos setores que têm o que comemorar em meio à recessão. Puxada pela dobradinha soja e milho, a receita da produção de grãos que começa a ser colhida no Centro-Sul deve passar de R$ 200 bilhões este ano. É uma cifra recorde, assim como o volume de produção, e com ganhos acima da inflação.

O clima deverá trazer boas notícias para as empresas de defensivos no Brasil em 2017. A expectativa de boa safra para as principais culturas plantadas no País nesta temporada 2016/17 e o aumento da umidade, que favorece a incidência de pragas e doenças, estão ampliando a demanda doméstica por agrotóxicos.

Os desembolsos do Pronaf, programa formado por um conjunto de linhas de crédito rural a juros subsidiados, voltados à agricultura familiar, somaram R$ 13 bilhões na primeira metade desta safra 2016/17, 4,5% mais que no mesmo período do ciclo anterior.

Mercado de Trabalho

O mercado de trabalho no País encerrou o ano de 2016 com novo recorde na taxa de desemprego: 12% o patamar mais alto já registrado pela Pnad Contínua, iniciada em 2012. O último trimestre do ano coleciona ainda outras duas piores estatísticas já apuradas: o total de desempregados bateu 12,342 milhões, enquanto o montante de trabalhadores com carteira assinada diminuiu em 1,398 milhão.

O setor da construção cortou 414 mil vagas de trabalho em 2016. O resultado representa queda de 14,33% no nível de emprego do setor, na comparação com 2015. Só em dezembro, o nível de emprego na construção caiu 3,63% em relação a novembro, com corte de 93,7 mil vagas.

O ano de 2016 foi o pior dos últimos nove anos para os reajustes salariais. Em meio à recessão e ao aumento do desemprego, quase metade (47,6%) das mais de 19 mil negociações salariais das diversas categorias de trabalhadores resultou em reajuste abaixo da inflação, o maior percentual anual já registrado.

Sistema Financeiro

Depois de registrar a maior contração desde a edição do Plano Real, em 1994, o mercado de crédito bancário começa a estabilizar. Essa é mais uma estatística que indica que a recessão está no fim e que, com alguma sorte, o PIB voltará a se expandir ainda neste primeiro trimestre.

Entre dezembro de 2016 e janeiro de 2017, caiu um ponto percentual – de 56,6% para 55,6% – o patamar de famílias com dívidas, menor indicador desde 2010. A queda foi bem mais acentuada – seis pontos percentuais – em relação a janeiro de 2016.

A caderneta de poupança continuou a registrar fuga de recursos no início de 2017. As retiradas da poupança superaram os depósitos em R$ 10,73 bilhões em janeiro. Apesar de ainda ser considerado alto, o valor da saída líquida de recursos é menor que o registrado no mesmo mês do ano passado.

O Ministro da Fazenda afirmou, durante seminário no BC sobre “spread” bancário, que é viável que o BNDES cobre, no futuro, taxas de juros semelhantes às do mercado em seus empréstimos.

Inflação

Os gastos com serviços continuam pressionando o IPCA e pesando na cesta de custos das famílias. Embora em desaceleração, o grupo de serviços é o que mostra maior persistência inflacionária. Em dezembro, a inflação anual de serviços foi de 6,5%, enquanto o IPCA encerrou o ano com alta de 6,3%.

O IGP-M acelerou em janeiro: o índice teve alta de 0,64% no primeiro mês do ano, acumulando alta de 6,65% em 12 meses.

Os alimentos mais baratos devem aliviar a inflação este ano. Os preços dos alimentos vêm caindo desde setembro, e em janeiro a alta foi de 0,17%. Este ano, o grupo alimentação e bebida, que consome um quarto da renda das famílias, deverá ter inflação em torno dos 3%, após alta de 9,4% em 2016.

Setor Público

O Governo Federal encerrou 2016 com déficit primário recorde de R$154,3 bilhões, porém abaixo da meta de R$ 170 bilhões. A receita total caiu 3,1% em relação a 2015, enquanto as despesas reduziram-se em 1,2%. O Tesouro Nacional divulgou também o limite de despesas a serem pagas em 2017: R$1,301 trilhão, o primeiro ano sob o regime da emenda constitucional que congela o aumento do gasto público. O valor considera um acréscimo de 7,2% (número do Governo para o IPCA 2017) sobre R$ 1,214 trilhão de despesas sujeitas ao teto. O Governo precisará fazer cortes e o Ministério do Planejamento já informou que as áreas para redução dos gastos são: Pessoal (R$1,1 bilhão), emendas discricionárias (R$ 1,8 bilhão), e Previdência social (R$1,8 bilhão).

A recessão derrubou a arrecadação federal no ano passado, e fez com que o volume de tributos pagos à União retomasse os patamares de 2010. A Receita Federal arrecadou R$1,289 trilhão, queda real de 3%. Nem o programa de regularização de ativos no exterior foi suficiente para segurar as receitas. Porém, a receita também informou que desde outubro de 2016 a trajetória de queda das receitas está estável, fazendo com que as perspectivas para 2017 sejam mais favoráveis.

Setor Externo

O ano começou bem para o comércio exterior, graças ao aumento das cotações de commodities agrícolas e metálicas. Soja, minério de ferro, petróleo bruto, carnes, café e açúcar se destacaram entre os produtos cujas exportações mais cresceram em janeiro.

Depois da redução significativa no ano passado, o déficit da balança de serviços deve voltar a crescer em 2017, mas de forma bastante controlada. Em meio ao quadro de retomada vagarosa da atividade e trajetória mais tranquila do câmbio, com depreciação aquém do previsto, as estimativas para o saldo negativo do Brasil com o exterior nessa conta estão por volta de US$ 33 bilhões para este ano.

No cenário internacional, a economia chilena cresceu 1,2% em dezembro em relação ao mesmo mês de 2015, alinhando-se com as projeções do mercado e influenciada pela queda da mineração e aumento dos serviços e comércio.

O déficit comercial dos EUA diminuiu em dezembro, mas a queda foi insuficiente para evitar o aumento do déficit total de 2016, que alcançou seu maior nível, desde 2012. O déficit comercial ultrapassou US$ 500 bilhões no ano passado.