ASSINE
search button

Elza Soares abrilhanta Palco Sunset no segundo dia de Rock in Rio

Encontro de gerações de Blitz, Alice Caymmi e Davi Moraes marcaram o dia

Compartilhar

A mistura e o engajamento mais uma vez tomaram conta do Palco Sunset. No segundo dia de Rock in Rio, o espaço dedicado aos encontros recebeu momentos que ficarão marcados na história do festival. Um deles, por exemplo, foi a estreia de Elza Soares, aos 80 anos, no Rock in Rio. Ao lado de Rael, a cantora emocionou e empolgou o público com suas músicas que, neste momento, ganham status de hino e discurso, como “A Carne” e “Mulher do Fim do Mundo”. No line-up, ainda tivemos uma homenagem à obra de João Donato, com a presença do próprio músico no palco, protagonizada por Emanuelle Araújo, Tiê, Lucy Alves e Mariana Aydar, o encontro de gerações de Blitz, Alice Caymmi e Davi Moraes e o super show da noite de Miguel, que recebeu o rapper Emicida no Palco Sunset.

Miguel convida Emicida

E é por esse show que vamos começar. De um lado, o norte-americano que tem como um de seus propósitos levar o R&B pelo mundo. Do outro, o rapper da periferia de São Paulo que assumiu a causa dos versos engajados e é referência no país. Miguel e Emicida protagonizaram um encontro que animou o público e, apesar da sonoridade e ritmo intenso dos dois, buscou um momento de paz e respiro para o Rock in Rio. De acordo com o brasileiro, este momento de sua carreira vai ao encontro da personalidade de Miguel. “Foi foda. A música dele é do coração. É de alma. Eu sinto muito no Miguel e em vários outros artistas do Estados Unidos com uma pegada mais pop um lado espiritual muito interessante, que vai além da música. Ele consegue criar uma atmosfera pacífica de coletividade. Às vezes, pode ser até um pouco densa, mas é convidativa”, disse Emicida que, desde que voltou de sua experiência na África, continente que o inspirou para o último trabalho, está buscando mais leveza em sua arte.

E foi essa a energia que Emicida encontrou em Miguel. A música “Oásis”, que é fruto desta parceria, representa a necessidade do brasileiro de pisar um pouco no freio e desacelerar o momento de turbulência pelo qual estamos passando. “Eu olho para essa música e a vejo como se a gente estivesse abrindo um espaço para a respiração. Não tem tanta informação ruim. Esse negócio de esquecer notícias difíceis é literal no nosso tempo. Nós estamos na iminência de 3ª Guerra Mundial, estamos falando sobre bomba atômica e temos um congresso que fala em flexibilizar o trabalho escravo, exterminar índio, acabar com a Amazônia e acabar com os direitos trabalhistas. Eu precisava muito abrir um respiro para que as pessoas se sentissem protegidas dentro de uma música. Isso foi o que a África me ensinou”, disse o rapper que considera este comportamento fundamental. “Hoje, nós estamos vivendo uma crise de ansiedade coletiva. Nós precisamos responder instantaneamente a cada vez que somos cutucados pelo mundo. Só que isso é errado. O ser humano precisa receber uma informação, entender o que aquilo representa para só depois poder emitir uma resposta que vibre na mesma sintonia dos seus valores. E eu sinto que a gente está respondendo muito mais como um reflexo do que como algo mais profundo”, completou.

O fato é que, sem decepcionar o público, que respondeu o tempo todo aos estímulos que vinham do Palco Sunset, Miguel e Emicida fecharam a noite de encontros com uma apresentação de engajamento diferente. No entanto, engana-se quem pensa que a liga vista na apresentação entre o brasileiro e o norte-americano seja algo recente, que tenha começado apenas para o Rock in Rio. Em seu camarim, Emicida nos contou que sua relação com Miguel vem de outros Carnavais. Ou melhor, outros festivais. “No pôster do Coachella, em 2011, estava escrito Miguel e Emicida um do lado do outro. Como éramos sofridos, estávamos na última linha das atrações. E é muito louco a gente estar hoje aqui porque foi algo involuntário. Coisa do universo”, lembrou aos risos o rapper que, ontem, ao lado de Miguel, foi a atração principal do palco dos encontros.

Rael convida Elza Soares

“Eu quero gritos! Gritos”. Uns podem dizer que Elza Soares estava animando a plateia. Outros, que estava se sentindo criança em parque de diversões por sua estreia em Rock in Rio aos 80 anos. Mas o fato é que o comportamento animado e caloroso da artista, que cantou e emocionou mesmo estando sentada – e escoltada por quatro boy-seguranças – apenas traduziu a personalidade natural de Elza Soares. Forte, intensa e engajada, a cantora foi mais do que a convidada de Rael em sua apresentação no Palco Sunset. Ao lado do cantor, ela foi a cereja do bolo e a protagonista de um momento histórico do festival.

Para um público que misturava idades, cores e credos, Elza Soares falou de racismo com sua música “A Carne” e de feminismo com “Mulher do Fim do Mundo”. Ela também falou de alegria, de força e de realização. Mas, nestes casos, as palavras estavam no olhar e no sorriso. “Eu me senti bem. Na minha vida, já passei por grandes palcos fora do Brasil e só faltava esse. Tinha que acontecer. Não era possível que eu cantava em todos os lugares fora da minha casa e, no meu país, eu não canto nada? Eu mereço esse público”, disse que, mesmo depois de conquistar mais um momento histórico para sua carreira, garantiu que ainda tem metas a alcançar. “Falta tudo. Sempre falta. Enquanto estou viva, ainda estou conquistando”, contou.

Talvez seja essa a vitamina que mantem Elza Soares como um ícone para todas as idades. Longe do estereótipo de uma vovó de 80 anos, a cantora é referência quando o assunto é a mistura de gerações. No Palco Sunset, por exemplo, ela empolgou ao lado de um artista com menos da metade de seus anos de experiência. “Desde o começo da minha carreira eu venho cantando com a juventude. Antes era o Cazuza, por exemplo. Eu gosto de fazer essa mistura de gerações porque eu não paro no tempo. A música tem vários efeitos e chega a diferentes lugares. Por isso, nós temos que seguir o som. Não dá para parar em um só lugar porque senão fica ruim”, ensinou a artista que, para completar, ainda acrescenta causas sempre importantes à trajetória. “É fácil levantar bandeiras do feminismo e racismo, por exemplo, porque eu sou uma delas. Eu sou mulher e negra. Então, ninguém melhor do que eu para falar. A minha vida já tem esse barulho. Por isso, não tem como eu não falar de racismo e de violência contra mulher”, disse. Aprenderam?

Blitz convida Alice Caymmi e Davi Moraes

Se Elza Soares foi uma estreante em Rock in Rio na noite de ontem, Evandro Mesquita é veterano de festival. Presente desde a primeira edição, há 32 anos, o carioca marcou mais uma estrela em sua carreira, desta vez, no Palco Sunset. Por lá, ele e a sua Blitz apresentaram clássicos e novidades e ainda tiveram a parceria de duas gerações diferentes, Alice Caymmi e Davi Moraes. Mesmo com a experiência de palcos e o conhecimento da Cidade do Rock, Evandro nos contou que o friozinho na barriga está sempre presente. “Cada show tem uma emoção especial, até em um barzinho, para 20 pessoas. No Rock in Rio, é ainda mais gostoso e diferente. Quando eu subi naquele palco, vieram várias memórias e emoções que me acompanham desde 1985. Então, cantar para aquela massa foi a prova de que a música boa não tem prazo de validade. É isso o que nos mantem com prazer na estrada”, explicou.

E, por falar na galera, o show da Blitz no Palco Sunset contagiou os quatro cantos da Cidade do Rock. Entre mães e filhos que foram ao Rock in Rio ontem, todos tinham pelo menos um verso lendário da Blitz na ponta da língua. Afinal, independente da idade, quem não canta que você não soube me amar? “Foi sensacional. Eu acho que essa é a magia da música que não tem muita explicação”, disse Evandro que, para potencializar essa apresentação, mais uma vez memorável, ainda misturou a juventude de Alice Caymmi, com a tradição de seu sobrenome, com a experiência de Davi Moraes, que esteve presente em todas as edições de Rock in Rio. “Nosso último disco, ‘Aventuras 2’, tem essa pegada da mistura. Como participações, temos Zeca Pagodinho, Seu Jorge, Paralamas do Sucesso, Frejat, Davi Moraes e Sandra de Sá. É uma mistureba que a gente já estava tendo e resolvemos mostrar aqui também”, explicou.

O que também se viu no show da Blitz no Rock in Rio foi engajamento na questão da Amazônia. Em um momento de seu show, Evandro Mesquita levantou a bandeira da preservação de nossas riquezas naturais e fez uma homenagem aos índios e um protesto pelo decreto presidencial que visa pôr fim na Renca, reserva que protege parte da floresta. “A questão da Amazônia é uma luta que a juventude precisa abraçar porque é fundamental que a Renca permaneça em vigor. Caso contrário, vamos perder o maior parque do planeta. Então, é uma luta bem bacana para os jovens mergulharem e defenderem e, como trilha, nada melhor e mais justo do que citar Raul Seixas. Temos que nos pintar de guerra e correr atrás”, destacou Evandro que acha fundamental estarmos vivendo uma edição em que tantos artistas, de diferentes esferas, estejam se posicionando e emprestando seus lados cidadãos. “Estamos vendo uma velha política sair totalmente desmoralizada e a verdade vindo à tona. É um momento especial”, completou.

Homenagem a João Donato com Emanuelle Araújo, Tiê, Lucy Alves e Mariana Aydar

Ainda de dia, com o sol carioca brilhando na Cidade do Rock, foi assim que começamos a programação no Palco Sunset. Por lá, quatro mulheres com diferentes personalidades e um grito de representatividade e união em comum homenagearam um dos maiores nomes da música brasileira, João Donato. Ao lado do filho Donatinho, o músico recebeu e participou deste encontro musical que teve Emanuelle Araújo, Tiê, Lucy Alves e Mariana Aydar como personagens. Depois da homenagem, bem à vontade entre as quatro cantoras, João Donato não escondeu a emoção com seu momento de glória no festival. “Foi uma sensação maravilhosa. Estava cercado de meninas bonitas, talentosas, charmosas e afinadas. Fora que são muito simpáticas. Não tinha como não estar muito feliz. Eu estou voando, flutuando como se fosse em um daqueles tapetes”, disse.

A sensação de prazer também foi unânime entre o quarteto. Honradas, as cantoras destacaram a importância de estarem reverenciando um grande nome da nossa cultura nacional. Mais do que homenagear João Donato, Lucy Alves comentou do simbolismo que é levar a obra do músico para as novas gerações, que muitas vezes não conhecem a relevância de sua carreira. “É fundamental que a gente traga esse nome e mostre a obra de um artista que é tão brasileiro. Para mim, essa oportunidade foi mais uma ratificação de que a obra de João é atemporal. Ele é um cara que usa sintetizadores em sua música desde a década de 1970 de forma até vanguardista. E isso acaba contagiando todas as pessoas, sem idade. É música atemporal”, disse Lucy.

No palco, cada cantora teve a oportunidade de embalar a galera com dois sucessos que marcam a carreira de João Donato. Em diferentes estilos, o resultado foi uma homenagem que agradou não só ao público como também às personagens, que mergulharam de cabeça nesta apresentação. “As quatro se entenderam e se entregaram em prol desse projeto. Nós enchemos o João de beijos durante os ensaios e os shows e isso deixou um clima ainda mais legal”, contou Tiê.

E assim, cada uma com seu jeito, a homenagem a João Donato foi completa. No entanto, apesar das individualidades de cada uma, Emanuelle Araújo levantou a bandeira de que, naquele momento, todas as potências estavam trabalhando juntas. “Não teve um lance individual, foi o quarteto. É claro que cada uma tem sua personalidade e potência diferente, mas estamos falando de algo maior. É um feminino que temos que reverenciar porque ele é corporativista com o próprio feminino. Cada uma com a sua onda, estivemos unidas para homenagear João”, disse Emanuelle.