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Sérgio Reis: "Não acho que sertanejo universitário seja realmente sertanejo"

Antes de cantar ao lado de Almir Sater e Renato Teixeira em Vitória, cantor falou à coluna

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O espetáculo "Tocando em frente" diz muito sobre o trabalho conjunto de Sérgio Reis, Almir Sater e Renato Teixeira nos palcos. Expoentes e medalhões da música sertaneja de raiz, eles sobrevivem no mercado do showbiz desde o final da década de 60 e continuam regando a música caipira em sua essência - num mundo reverberado pelos músculos de Lucas Lucco, pela franja de Luan Santana ou pelo amor rasgado de Jorge e Mateus.

Antes de cantar na Arena Vitória, na capital do Espírito Santo, com produção de Patrick Ribeiro e Christian Anderson Simão, Sérgio Reis conversou com a coluna sobre temas pertinentes do mercado musical sertanejo de raiz. Só depois, é claro, de provar moqueca capixaba ("Comemos moqueca de banana da terra. Que delícia!") e ganhar sacos do típico café conilon capixaba ("Uma das coisas que gosto daqui é o café. O Espírito Santo é muito forte com café . Gosto muito!"). O público cantou "Tocando em Frente", "Frete", "Chalana", "O Rei do Gado" e "Panela Velha" sob novos arranjos, mas o show mesmo fica por conta das respostas a seguir.

HT: Vocês sempre cantaram sobre a vida simples no campo, sobre dar valor ao amor e às raízes. A música sertaneja atual vai de encontro a esses ideias, ao abordar temas como a exibição de uma vida de luxo, com carrões, festas e bebidas caras. Vocês acreditam que essa mudança seja um reflexo da sociedade atual? O quanto essa inversão de valores é prejudicial para a sociedade?

SÉRGIO REIS: Sem dúvidas, em termos gerais, a música brasileira passa por um período difícil agora, assim como o nosso país - e a música reflete o momento que o povo vive. Nós que somos mais velhos, talvez pela experiência e amor à tradição, continuamos fazendo o nosso trabalho de valorizar as raízes e manter a cultura caipira viva. Embora tenha muita coisa diferente na televisão e nas rádios hoje em dia, também tem muito artista bom, a Paula Fernandes participou do meu DVD com o Renato e além de cantar conosco, ela fez uma belíssima apresentação solo. A inversão de valores é prejudicial quando vemos famílias se separando e até quando a gente se depara com alguns famosos que não gostam de interagir com seu público, eu sempre fiz e ainda faço questão de atender todos os meus fãs e a imprensa, são eles que nos ajudam a chegar onde chegamos e não faz sentido não querer devolver esse carinho, foi inclusive por isso que me tornei deputado, foi a melhor forma que encontrei para compensar um pouco tudo de bom que a população brasileira me proporcionou nesses mais de 50 anos de estrada.

HT: Diante de tantas vertentes da música sertaneja que surgiram ao longo dos anos, como vocês avaliam o tratamento da indústria fonográfica quanto a música caipira?

SÉRGIO REIS: A música caipira é reconhecida pela indústria e adquiriu o seu respeito ao longo dos anos, graças à ídolos como o Tonico e Tinoco e Oswaldir & Carlos Magrão, que sempre foram muito competentes e talentosos. Com o Amizade Sincera, por exemplo, eu e o Renato ganhamos Grammy e disco de ouro, o Almir e o Renato também ganharam Grammy com o disco que gravaram juntos, além do carinho do público pelas obras, estes são grandes incentivos não só para os artistas novatos, como para nós que temos décadas de carreira. O que toca hoje em dia e chamam de Sertanejo Universitário eu não acho que seja realmente Sertanejo, não tem nada a ver com as referências que montaram a música caipira em seus primórdios, mas tenho muito respeito por todos os artistas, muitos deles cresceram escutando Sérgio Reis, Almir Sater e Renato Teixeira.

HT: A amizade de longa data já produziu muitos frutos. Qual é a sensação de apresentarem juntos músicas que fizeram parte da vida de tantas gerações às novas? Como tem sido a recepção do público ao show “Tocando em Frente”?

SÉRGIO REIS: É muito gratificante poder rodar o país com pessoas tão queridas, e fica melhor ainda quando vemos as mais diversificadas pessoas cantando as nossas músicas, se conectando com a nossa arte de forma tão profunda. O nosso repertório é formado de músicas que marcaram nossas vidas e o coração de várias pessoas, é a celebração de nossas carreiras e a recepção não poderia estar melhor. De alguma forma, muitas de nossas canções tornaram-se atemporais – e esta, senão a maior, é uma das maiores conquistas que um artista poderia alcançar.

HT: Vocês cantam o homem do campo, na maioria das composições. O que, via de regra, é parte do que vocês viveram, ainda vivem, gostam e cultivam. O agronegócio, ainda que um viés econômico necessário, mudou - e muito - a vida do homem do campo. Como vocês observam essas mudanças? Para melhor ou pior? Deveria haver uma linha tênue entre o progresso e a tradição?

SÉRGIO REIS: Todas as mudanças têm seus aspectos positivos e negativos, tal como recentemente se explodiu na mídia a história da Operação Carne Fraca, que foi um absurdo e eu espero que as pessoas que erraram sejam punidas, mexer com a saúde do povo é coisa muito grave. Defendo sim que deve haver uma linha tênue entre o progresso e a tradição, nem sempre estes dois aspectos precisam ser rivais, existem progressos que vem para agregar à tradição.