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SPFWTRANSN42 #Day 4: a obra de arte - ousada e necessária - de Ronaldo Fraga

Estilista levou 29 transexuais a passarela de seu desfile no Teatro São Pedro

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Uma verdadeira obra de arte. Responsável por protagonizar e proporcionar o momento mais emocionante e representativo desta SPFWTRANSN42 até então, Ronaldo Fraga ocupou o Teatro São Pedro com muita verdade, autenticidade e ousadia. O motivo: o estilista fez jus ao conceito de transgressão proposto nesta edição e levou 29 transexuais para a passarela da semana de moda mais importante da América Latina. Segundo Ronaldo, apesar de peças icônicas, o desfile era muito mais uma forma de expressão interior do que uma apresentação de modelos criativos. “É um único vestido, uma única modelagem, que foi transformada a cada corpo. Então, por isso que eu digo que o destaque desta coleção não é a roupa. Eu não tenho o que falar do conceito criativo porque a história é feita por quem está vestindo”, contou sobre a coleção que bebeu da fonte das décadas de 1920, 1930 e 1940, que foi a época mais feminina e delicada no universo da moda. “As roupas seguem um pensamento de bonecas de papel que eram febre antigamente. Eu desenhei um por um e depois estampei com canetinha ou lápis de cor em um papel kraft, que depois foi reproduzido no vestido”, revelou.

No casting, que não tinha pré-requisito para participar e foi mantido em sigilo até a noite anterior ao desfile, Ronaldo Fraga trouxe o que há mais diverso no mundo das transexuais. Entre professoras, pedagogas e apenas quatro modelos profissionais, o estilista quis dar voz a uma comunidade que é constantemente reprimida, escondida e humilhada na sociedade preconceituosa e contemporânea. “Eu sempre gostei de trabalhar os invisíveis. Então, já passei pelos idosos e refugiados porque eu tenho um fascínio por essa questão. Desta vez, a história com o universo trans começou quando eu li que o Brasil é o país no mundo que mais mata travestis e transesxuais. Isso foi algo que despertou minha atenção de uma forma impressionante porque eu achava que sabia do sofrimento dessas pessoas. Mas a gente não sabe de nada. A média de expectativa de vida de uma trans no Brasil é de apenas 35 anos hoje em dia. Ela morre, na maioria, por violência, quando são assassinadas, suicídio ou por problemas pela aplicação de hormônio”, disse Ronaldo.

Emocionado, o artista da edição, que chorou no palco ao ser aplaudido de pé por um teatro lotado e fez questão de beijar a mão de todas as personagens deste espetáculo ao fim do desfile, contou que não define a sua arte e a sua apresentação de ontem como “uma moda social”. “Eu falo de amor e resistência. Mais do que nunca, eu vou usar a moda como forma de grito e vou até o final com ela. É um conceito que abrange política e tem o sentido de libertação, de quem deseja e de quem veste. Essa é a verdadeira moda que eu acredito. Eu quis ser uma ferramenta transformadora na vida dessas trans”, revelou.

Da maneira que queria, o conceito, a ousadia, a arte e o grito de força e coragem de Ronaldo Fraga nesta edição da SPFWTRANSN42 foram o destaque do desfile. Como disse, ele desejava que essa oportunidade representasse um momento transformador e de reconhecimento na vida dessas personagens que sofrem tanto no dia-a-dia. Honrado, o estilista disse que, para muitas dessas trans, assim como a experiência de ontem, outro momento transformador na vida delas foi quando puderam se libertar com a família e pessoas próximas que, até então, não as reconheciam da forma que eram. “Muitas delas me diziam que o momento transformador da vida delas foi quando a mãe, a tia ou uma amiga, raramente o pai, disse que ela poderia sair com a roupa que quisesse, a que, de verdade, veste o seu ser. E, mais ainda, foi quando eu soube que uma delas escolheu um vestido da minha loja, que não era uma coleção desenvolvida para este contexto, como forma de representação no mundo da moda. Isso justifica meu trabalho”, emocionou-se mais uma vez o estilista.

Ronaldo Fraga levou uma plateia lotada ao delírio no Teatro São Pedro por conta de uma belíssima homenagem à identidade de gênero. Uma apresentação-manifesto trouxe o tema delicado para nos fazer refletir nesta tarde de quarta-feira no SPFW. Com um casting composto exclusivamente por mulheres transsexuais, o que vimos foi uma apresentação onde os vestidos não foram o destaque, mas sim a história de cada um que desfilou, ao som de Oswaldo Montenegro. As peças faziam alusão às bonecas de papel, com detalhes desenhados na malha, e uma modelagem que flertou com a elegância retrô das décadas de 30, 40 e 50. O estilista mineiro foi aplaudido de pé, e de longe este foi o show que mais fez jus à nova proposta transgressora e transformadora da semana de moda paulista.

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