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'Histórias que só existem quando lembradas' integra a Première Brasil

Filme concorre por melhor longa de ficção, nesta edição do festival

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O segundo longa-metragem da diretora brasileira Julia Murat é um dos filmes que concorrem na disputa Premiére Brasil de melhor longa de ficção, nesta edição do Festival. O filme é uma fábula sobre o tempo e a história, baseada nas imagens que criamos destes.

Logo no plano de abertura do filme, observamos uma senhora com uma lamparina a gás, na escuridão, fazendo massa de pão. Desde já, o filme traça a oposição metafórica que irá desenhar até o fim. A lamparina como representação do efêmero, de algo que passa e que a qualquer momento irá se apagar. 

As ações repetidas dos senhores da pequena “cidade-fantasma” de Jotuomba, quando começa um novo dia, mostram que, ali, a eterna repetição do cotidiano se sobrepõe à mortalidade e à passagem do tempo. O conceito de tempo parece ter deixado de existir naquele lugar. É com a chegada da jovem fotógrafa Rita que os moradores da cidade passam a questionar sua rotina.

Rita é a jovem sem lugar, que vive em uma sociedade que ela pensa não acompanhar o ritmo e que diz ter “nascido na época errada”. Ela vê na fotografia um modo de controlar o tempo que se esvai rapidamente nessa sociedade, como fuga desse tempo imposto a ela. E a chegada dessa personagem, vinda de uma sociedade exterior que possui uma relação com o tempo, obriga os senhores de Jotuomba a se confrontarem com suas histórias, seu passado e futuro, antes negados por todos. O cemitério, antes fechado, precisa ser reaberto, para que se admita novamente a relação com o tempo humano e mortal.

A diretora faz um ensaio sobre o possível encontro de uma sociedade isolada das questões contemporâneas, que escolheu viver no eterno, com a chegada desse elemento exterior que traz as novidades do mundo, as tecnologias, a informação. O que acontece é uma espécie de colonialismo menos violento, mas igualmente agressivo através das visões e ideologias que impõe. A diferença é que a diretora tenta mostrar que o encontro modifica as visões dos dois lados, o que não convence. 

Rita parece o tempo inteiro tentar se integrar à essa sociedade, e vemos diversos momentos dessa tentativa, talvez para convencer o espectador de que isso pode dar certo. Mas percebemos a impossibilidade da jovem de se readequar a essa nova sociedade, e mais um prazer de experimentar algo novo e diferente. O gigantesco distanciamento entre os mundos não consegue ser diminuído através das diversas tentativas do filme.

A direção acerta ao manipular o tempo vazio da cidade, em longos planos fixos e imóveis, simulando uma câmera fotográfica que, imóvel, registra os movimentos, capta-os, mas se mostra incapaz de parar o tempo. E peca ao ter a prepotência de criar seguidas conclusões sobre destino, tempo, vida, morte, etc. Percebemos, nos diálogos, o desespero da diretora em comunicar suas próprias conclusões sobre a estória, o que incomoda.

Independente disso, a delicadeza do filme é indiscutível e Histórias que só existem quando lembradas é capaz de emocionar e fazer pensar sobre as relações que estabelecemos com o nosso tempo e a nossa história, e vale a pena ser visto.

Cotação: ** (Bom)