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'Contágio' mostra que, em tempos de crise, boatos se espalham como vírus

E que não é legal tossir em uma sala de cinema

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Se alguém diz para não olharmos, o que fazemos? Olhamos. Se pedirem para não tocarmos nossos rostos, o que fazemos? Tocamos, contaminamos nossas mãos com um vírus desconhecido e, a partir daí, nenhum celular, maçaneta ou pote de amendoins está seguro. Pelo menos não no filme Contágio, dirigido Steven Soderbergh e em cartaz nos cinemas brasileiros durante o Festival do Rio de 2011.

Nessa mistura já bem conhecida de filme de catástrofe com thriller de conspiração, a personagem Beth Emhoff, interpretada – não por muito tempo – por Gwyneth Paltrow, é uma executiva que viaja a negócios para Hong Kong.

Na volta para casa, com aparentes sintomas de gripe, ela faz uma parada em Chicago pular a cerca com um antigo namorado. Lá, ela toca muitas maçanetas, alguns amendoins e o amante, obviamente.

Beth chega a Minneapolis, cidade em que mora com o marido, Mitch, vivido por Matt Damon, que é - que novidade - imune ao vírus desconhecido que logo mata sua mulher e seu enteado. E o caos começa. Um homem morre em Tóquio, outra mulher, em Londres. Com hipóteses que passam por encefalite e meningite, médicos simplesmente não conseguem saber a causa das mortes, que logo se multiplicam.

Também não demora para que os próprios órgãos de saúde de todo o mundo comecem a ficar preocupados. Esses bastidores da crise, aliás, são muito bem retratados no roteiro de Scott Z. Burns. Mesmo com um desfecho um tanto bondoso demais, os personagens responsáveis por lidar com a epidemia, interpretados por ninguém menos que Laurence Fishbourne, Kate Winlest e Marion Cotillard, são humanizados, sentem medo e compaixão, o que é bastante incomum nesse tipo de filme.

Dessa maneira inovadora, então, Contágio não se deixa levar pelo lugar comum das histórias mais recentes de epidemia, fim do mundo e afins. Estamos acostumados a ver que o ser humano não precisa de muito para mostrar seu lado animal. Isso não deixa de ter destaque no filme. Mas, é preciso admitir: depois de um Ensaio sobre a Cegueira, já estava na hora de encontrar um jeito diferente de mostrar que nada é de ninguém em tempos de crise.

E esse jeito acaba sendo uma brincadeira com o próprio termo ‘contágio’. É claro que o título se refere ao vírus que se espalha cada vez mais rapidamente, mas será que é só? Não são os rumores igualmente contagiosos?

É aí que entra a figura do blogueiro/jornalista wannabe Alan Krumwiede (Jude Law). Com a sua página na internet, Krumwiede tece teorias da conspiração sobre como as autoridades se aliaram à indústria farmacêutica para lucrar com a epidemia. Ele diz saber a cura para o vírus, que, a essa altura, já matou milhões. Os outros milhões, consequentemente, tornam-se obcecados por essa solução aparentemente mantida às escondidas pelo governo.

Em cima de boatos que se espalham com simples telefonemas - chame de egoísmo, mas todos querem proteger seus entes queridos -, cidades são esvaziadas e sequestros tornam-se práticas comuns. Imediatamente somos transportados para alguns anos antes, quando, em menor escala, o mundo entrou em paranoia coletiva diante da gripe suína.

Contágio é assim, cheio de alguns momentos de reflexão muito interessantes, apoiados por um elenco de peso. Mas, com tantas estrelas e tantas tramas, nada fica bem desenvolvido. Quando uma história avança, a outra fica completamente esquecida. E o filme não sai disso, dessa promessa de que, se tivesse investido em apenas uma das boas ideias que propõe, poderia ser genial.