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ENTREVISTA / ABEL BRAGA: De peito aberto

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Toda segunda-feira o técnico Abel Braga acende uma vela para alma do seu filho João, que morreu ano passado, aos 19 anos. Na última segunda-feira ele cumpriu seu ritual antes de seguir para o CT do Fluminense, na Zona Oeste, onde conversou com o JORNAL DO BRASIL por mais de uma hora. Falou sobre a perda do filho e de quanto está triste com a situação de abandono pelo qual passa o Rio. Já pensou em ir embora, mas hoje entende que não pode virar as costas para a cidade que tanto ama. Está desiludido com o futebol carioca, mas abre um sorriso para falar da seleção brasileira comandada por Tite. E continua apaixonado por vinhos.

Você é carioca da Penha e mora no Leblon. Está preocupado com a sua cidade?

Muito. Eu amo o Rio, mas está difícil viver aqui, não sei onde isso vai parar. É muita tensão o tempo todo, você não relaxa, não descontrai. Eu adoro teatro, mas não vou há um bom tempo. Ninguém fica à vontade saindo à noite. Hoje, minha vida social se limita a restaurantes do Leblon e de Ipanema. Nem a Copacabana eu vou. 

Seu filho Fábio voltou a morar com vocês depois da morte do João, seu filho caçula, no ano passado. É mais uma preocupação? 

Nem me fala. Depois da morte do João a preocupação aumentou. Outro dia o Fabio foi fazer uma tatuagem em homenagem ao irmão ali na subida do Alto da Boavista. Ele já é um homem, tem 25 anos. Mas quando soube que  ia de carro, quase implorei para ele pegar um táxi, um Uber.  Ele tem um carro bom, mas que não é nada demais. Só que no Rio hoje tudo é motivo. Fiquei com o coração na mão. É muito ruim esta sensação.

Você já pensou em morar fora do Brasil? 

Já, e não é de agora. Antes mesmo da morte do João eu já queria ir para Portugal. Só não fui porque não tive quorum lá em casa. Hoje já não penso assim. Não posso virar as costas para a minha cidade num momento como esse.

O carioca tá mais triste? 

Não é só o carioca que está mais triste. A cidade está triste. Outro dia fui almoçar no restaurante onde era o antigo Porcão Rio’s, ali no Aterro do Flamengo. Fiquei olhando aquela paisagem deslumbrante, o Pão de Açúcar, a Baía de Guanabara, e me dei conta que até a natureza está  triste. O morro do Pão de Açúcar parece que está abatido, sem vida. Uma tristeza.

O  momento lamentável do futebol carioca é um reflexo  do abandono a que está relegado a cidade?

Claro, não tem como desassociar o futebol do resto, do que está acontecendo no Rio. O futebol está inserido no contexto, faz parte do dia a dia da cidade. Dá muito vergonha saber que o Campeonato Carioca é hoje o segundo pior em rendas no país. Como é que é? Já joguei para 160 mil pessoas no Maracanã. Público de 120 mil era comum em qualquer clássico. Hoje é esta vergonha. O Rio precisa reagir como um todo.

No meio deste caos todo você ainda perdeu seu filho João, de 19 anos. O que te deu forças para continuar?  

João morreu num sábado. O presidente do Fluminense me deixou à vontade, disse para eu voltar quando achasse melhor. Foi muito legal da parte dele Agradeci, mas na segunda já estava dando treino, pois tínhamos jogo na quarta, contra o Sport, em Recife.  Foi o jeito que eu encontrei para suportar a dor e continuar acordando todo dia. Se ficasse em casa eu não ia aguentar. 

No dia do jogo, você foi aplaudido por toda a Ilha do Retiro quando entrou em campo com o time. Você  esperava uma reação como aquela?   

Olha, quando pisei no gramado e vi a torcida do Sport me aplaudindo de pé, percebi o quanto era querido. Trabalhei duas vezes no Santa Cruz e a torcida do Sport sempre me viu como rival. Aquilo que aconteceu mostra que o futebol não é maior do que tudo. Não suplanta a dor de um pai.

O João morreu no dia 29 de julho. Passados quase oito meses, como você convive com a perda de um filho?   

Não é fácil meu amigo. A dor no peito é para sempre. Tem dias que você acorda melhor, outros acorda pior Você segue caminhando, mas sabe que tem um buraco, que nunca vai fechar, te acompanhando. Se você cair nele, adeus. Toda segunda-feira eu acendo uma vela para a alma do João e faço uma oração num oratório que construí na minha casa, com fotos dele. As lágrimas caem. Não tem jeito. 

E a Copa. Você acredita que a seleção vai chegar bem à Rússia? 

Para mim é uma das favoritas. O trabalho do Tite é espetacular. Os jogadores voltaram a ter prazer em jogar na seleção. Isso está evidente. Estão todos com o mesmo objetivo. Mérito total do Tite. Acho que além da seleção, Alemanha, França e Inglaterra vão brigar pelo título. Não acredito na Espanha e a Bélgicas tem um ótimo time, mas não tem camisa. Isso é decisivo no futebol. Ficou claro no confronto Real Madrid x PSG.

Nem a contusão do Neymar pode atrapalhar a equipe?    

Lógico que ninguém pode abrir mão de um jogador como o Neymar. Mas o grupo é muito bom. Os jogos contra a Rússia e a Alemanha serão um ótimo teste. 

E o Fluminense, o que o torcedor pode esperar no Brasileiro?   

Ano passado foi muito sofrido e não quero passar por aquilo de novo. Este ano começou muito complicado, por isso mudamos radicalmente nossa forma de jogar. Acredito que este ano será melhor. O time está bem e a tendência é melhorar. A diretoria vai trazer uns três reforços. 

Para terminar, os vinhos continuam sendo uma grande paixão?   

Sempre, gosto demais. Como sou muito carnívoro, adoro um Malbec, mas gosto de todos.  Para você ter uma ideia, atualmente estou apaixonado por um vinho uruguaio que tem seis uvas. Chama Prelúdio, uma loucura. Mas os melhores vinhos são os franceses mesmo.