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Canindé pós-queda é retrato de solidão e abandono da Portuguesa

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Não havia torcida para lamentar ou protestar, dirigentes para dar explicações ou fazer projeções de futuro, nem qualquer vestígio de que um dos clubes mais tradicionais de São Paulo tinha acabado de chegar ao buraco mais fundo de sua história. Um dia depois do inédito rebaixamento da Portuguesa para a Série C, o Estádio do Canindé e suas imediações eram o retrato do cenário atual do time: abandonado, esquecido, silencioso.

"Não pode entrar hoje, a imprensa está barrada", foram as palavras do segurança para a reportagem do Terra. E não tem nenhum torcedor que possa sair, falar alguma coisa? "Não tem ninguém aí não, amigo. Como você pode ver, está tudo tranquilo".

Tranquilo até demais para um time que caiu de forma vexatória, com cinco rodadas de antecedência e míseras três vitórias em 33 jogos na Série B. Se no ano passado o rebaixamento no tapetão do STJD causou revolta nos lusitanos, que se movimentaram e organizaram protestos contra a situação do clube, desta vez a impressão é que a maioria desistiu de lutar.

"É torcedor da Portuguesa?". "Não, só estou de passagem. Estou voltando para o trabalho". Ninguém na rua parecia se importar muito com o rebaixamento da Lusa. Mas, opa, tem três pessoas ali, comprando ingresso na bilheteria do Canindé. O que tem aí? "É para o jogo do São Paulo de amanhã, na Sul-Americana. Aqui é ponto de venda do São Paulo". Ah, explicado.

A melancólica situação da Portuguesa, que tem a pior média de público da Série B, reflete também em quem depende do movimento do Canindé para ganhar a vida. Na rua Azurita, travessa da Marginal Tietê em que ficam bilheterias e portões do estádio, um bar que tradicionalmente enchia em dias de jogos da Lusa hoje sofre com a queda brusca de clientela.

"O movimento caiu demais, antes estava sempre cheio. No jogo passado que teve aqui (derrota por 2 a 1 para o Icasa, sexta-feira, com 453 pagantes), você não vai acreditar, mas tudo que eu vendi foi uma água. E ainda foi pra um amigo nosso", ri Denise, 63 anos, a Dona Dê, que toca o bar ao lado do filho. E agora com mais um rebaixamento, como fica? "Caiu mesmo, então? Que tristeza. Eu sou santista, mas também sou Lusa, porque estou aqui nesse ponto há 40 anos, o pessoal é nosso amigo. Mas com fé em Deus vai voltar", diz ela, novamente sem perder o bom-humor.

Um homem entra no bar vazio, pergunta quanto é o almoço. "O prato feito é R$ 15, a marmita é R$ 14. Comida caseira da boa, viu?", anuncia Dona Dê. O homem diz que vai avisar alguém e sai. A conversa com a reportagem continua.

"Antes a Lusa sempre jogava com Corinthians, São Paulo, Palmeiras, estava sempre lotado. O que tem salvado um pouco, agora, são os jogos maiores. Contra Ponte Preta, Vasco, a maioria da torcida era de fora. E ainda assim alguns torcedores da Portuguesa, que não são disso, arrumaram briga, tacaram pedra no pessoal do outro time. Isso espanta mais torcida ainda", lamenta Dona Dê.

O filho Paulo, que havia entrado no bar minutos antes, também entra na conversa de trás do balcão. "Cara, vou falar pra você que já teve dia em que teve jogo aqui e a gente nem sabia. Estávamos fechando o bar às 18h e chegaram dois torcedores perguntando se não íamos ficar abertos para o jogo. Que jogo? Não tinha visto nada na TV, nenhuma movimentação na rua. Já teve dia de ter o jogo rolando no estádio e a gente ficar aqui sem ninguém, assistindo à televisão, sem nem saber quanto foi".

Quem sabe com mais uma queda a torcida se junte de novo e volte ao Canindé, como aconteceu com outros times do Brasil que afundaram em divisões inferiores do nosso futebol. "É, mas não vejo mobilização nenhuma pra isso", lamenta Paulo. "Em grupos de redes sociais que eu acompanho, a torcida da Portuguesa não está fazendo nada, a diretoria também não ajuda, colocando ingresso a R$ 40. Se fizessem uma promoção para chamar a torcida, não estaria do jeito que está agora".

Para Dona Dê, a principal culpada é a diretoria, que "faz muita burrice, perde jogador de graça e desperdiça menino bom de bola". Já Paulo vê a questão de outra forma. "A diretoria também tem culpa, mas a grande culpada, pode escrever aí, é a própria torcida. A torcida da Lusa parou de vir, parou de empurrar o time. A mentalidade dos torcedores é estranha, esperam acontecer a tragédia para depois agir".

O homem que perguntou do almoço ainda não voltou quando a reportagem se despede para dar mais uma volta pelo Canindé. Mas é em vão - ninguém tem nada a dizer sobre a Portuguesa estar na terceira divisão. Um funcionário com a camisa da Lusa sai de um dos portões. "Você está querendo ingresso para o jogo do São Paulo?", pergunta. Não, já estou de saída, obrigado.

O futuro da Portuguesa nunca foi tão nebuloso. Afundada em dívidas que, com a atual receita, são impagáveis, demolida por anos de má administração e com a torcida minguando, o clube tentará traçar os rumos de 2015 em uma reunião na noite desta quinta-feira, com a presença de conselheiros e membros da diretoria. Enquanto isso, sobra só o pensamento positivo de que as coisas podem melhorar, como lembra, rindo mais uma vez, Dona Dê.

"Eu falo que a Lusa é um carro na ladeira. Pra subir é muito difícil, mas vai. Já caiu tantas vezes e voltou, dessa vez vai acontecer isso também. A gente tem que ser otimista, né?".