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Violência é o desafio do futebol brasileiro para 2014

Nos últimos dois anos, 53 pessoas morreram em brigas de torcida

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No próximo final de semana, a elite do futebol brasileiro volta a campo para o início de mais uma temporada com um grande desafio pela frente: acabar com a violência dentro e fora dos estádios, em um período em que as atenções estarão voltadas para cá por conta da Copa do Mundo. E o cenário não é nada positivo.

Os últimos dois anos foram os mais violentos da história do esporte mais popular do país, com 23 e 30 mortes comprovadas por inquérito policial em 2012 e 2013, respectivamente. No ano passado, 90% dos óbitos foram causados nas ruas. "O restante foi provocado dentro dos estádios, mesmo que a pessoa tenha morrido fora", conta o sociólogo e professor do mestrado da Universidade Salgado de Oliveira (Universo) Mauricio Murad, responsável pela compilação dos dados.

Coroando o fim de uma temporada trágica, 2013 ainda terminou com a impressionante briga entre torcedores do Atlético Paranaense e do Vasco da Gama em Joinville na última rodada do Brasileirão. "O que voltou foi a violência dentro dos estádios, e o que aconteceu em Joinville foi o fundo do poço", diz Toninho Nascimento, secretário nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor, órgão ligado ao Ministério do Esporte.

Ele defende que o ano passado foi um período de transição, com algumas ideias não dando o resultado esperado, como a ausência de policiamento dentro das arenas, um dos fatores que contribuiu para a confusão em Santa Catarina. Segundo Nascimento, o Brasil ainda não está preparado para adotar esse modelo, que é bastante comum na Europa. Ao lado do Ministério da Justiça, a Secretaria propõe que o governo federal atue como um aglutinador de medidas a serem tomadas. A ideia é divulgar em breve uma lista de nove orientações para todas as partes envolvidas no futebol nacional.

Entre elas, as mais importantes são a implantação de um juizado de torcedores nos estádios e a criação de delegacias especializadas. O Estatuto do Torcedor já prevê que vândalos se apresentem à polícia duas horas antes de cada partida, mas nem sempre a delegacia quer fazer esse papel de babá. "Temos que acabar com isso, por isso a delegacia especializada. Nós temos leis, temos o Estatuto do Torcedor, precisamos cumpri-lo", acrescenta o secretário.

Também serão propostas a elaboração de um guia de procedimentos de segurança nos campos, uma maior integração entre as áreas de inteligência e a responsabilização dos clubes com a perda de pontos. Já Maurício Murad vai além. O sociólogo acredita que os times devam sofrer punições criminais. "A punição esportiva é importante, mas não suficiente. Você pode punir os clubes pelo o que a gangue fez usando a responsabilidade solidária. Isso está no código penal, só precisa punir", salienta.

Sempre que o tema da violência no futebol volta à pauta, surgem inevitáveis comparações com as práticas adotadas em outros países e que poderiam servir de inspiração ao Brasil. Aqui do lado, a Associação de Futebol Argentina (AFA) bancou um projeto de cadastramento das organizadas. Na Itália, torcedores que se envolvem em confusão são presos em flagrante, câmeras foram instaladas nas arenas e a polícia está presente nas chamadas "curvas", áreas onde costumam ficar os tifosi mais radicais, conhecidos como "ultras".

Mas sem dúvidas, o modelo mais lembrado é o da Inglaterra. Em 15 de abril de 1989, 96 torcedores do Liverpool morreram esmagados no estádio de Hillsborough, em Sheffield, durante uma partida contra o Nottingham Forest. No ano seguinte, o governo conservador de Margareth Thatcher divulgou o famigerado "Relatório Taylor", que colocou a culpa do incidente nos fanáticos dos Reds a nas precárias instalações do campo.

O documento também recomendou uma série de medidas, prontamente colocadas em prática, como a retirada de grades e alambrados da beira dos gramados e a exigência de que todos os lugares fossem ocupados por cadeiras, o que acabou elevando o preço dos ingressos. "Devemos tomar cuidado com o modelo inglês. O que resolveu o problema do hooliganismo foi o aumento do preço das entradas. Isso é uma grande preocupação nossa, porque tal medida tiraria o caráter popular do futebol no Brasil. Eles tiveram boas ideias, como instalar câmeras, prender os vândalos, mas não podemos achar que tudo foi bom", afirma Toninho Nascimento.

Mesmo na Inglaterra, o Relatório Taylor provoca bastante controvérsia. Em 12 de setembro de 2012, o atual premier britânico, David Cameron, do mesmo partido ao qual Thatcher pertencia, pediu desculpas publicamente às famílias dos 96 mortos em Hillsborough. Uma investigação independente provou que o documento foi manipulado para eximir o governo de qualquer responsabilidade no desastre e mostrou que o que causou o incidente foi uma falha no esquema de segurança da polícia.

"Eu sempre defendo um plano estratégico nacional: punição no curto prazo, prevenção no médio e reeducação no longo. Nenhum país controlou totalmente esse problema, mas temos que tentar trazê-lo para o âmbito da Justiça", diz Murad. Na Inglaterra, foi preciso que quase uma centena de pessoas morressem para que houvesse uma mudança de rumo. O Brasil, com "apenas" 53 mortes causadas pela violência no futebol nos últimos dois anos, ainda espera o seu próprio Hillsborough para começar a agir.