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O diferente mundo de Trump

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O presidente Donald Trump tem revelado interessante virtuosismo na arte de projetar figuras insuladas e gerar situações inesperadas, o que contrasta, visto sob a ótica da tradição da diplomacia de seu país, cuidadosa em evitar no cenário internacional o que pode provocar desgastes, quando inexistem garantias de recompensa. Esse poderoso homem é, pois, um inovador. 

Num primeiro grande lance de seu governo no campo das relações internacionais, ele já havia conseguido a façanha de trazer para a comunidade dos estadistas de primeiro escalão o singular coreano Kin Jong-un, até então apenas notabilizado por governar severa ditadura, no país mais trancado do mundo. Deu a ele um status que certamente Kin não podia imaginar; mas, bem assessorado, aproveitou de imediato a oportunidade. Nunca mais deixará de ser ouvido, nivelado está com a Coreia do Sul. 

Nesta semana, depois de tropeços protocolares inesperados, principalmente com a rainha mais solene do mundo, Trump tira de Moscou o presidente Putin, sem prever que estaria reacendendo discussão e suspeitas de interferência dos russos na última eleição americana. Nenhum dos grandes problemas avançou objetivamente, além de ter participado de uma discussão desgastante para ele próprio, embora quem o conhece sabe que seu ideal é ser permanente usina de divergências. Na coletiva que, juntos, concederam à imprensa, em Helsinque, Putin foi visivelmente superior, mais articulado, com firmeza nas respostas. Melhor Trump teria feito se deixasse Putin quieto em Moscou, onde se divertia com os bons resultados da organização da Copa do Mundo. 

O tour presidencial pela Europa deve ter deixado confusa a chancelaria americana, além de um largo espaço para inchar dúvidas e expectativas nas relações comerciais com tradicionais potências. É o caso especial da China, que não só é uma potente nação, como também credora dos Estados Unidos em trilhões de dólares. Foi além. Declarou-se inamistoso com significativa parte do mercado europeu, conflitou principalmente com a Alemanha, passou descompostura na primeira-ministra inglesa e provocou os chineses. Como se já não lhe bastassem dificuldades com a fronteira dos mexicanos e as experiências do Irã na energia atômica. 

O presidente revela-se um grande cidadão do mundo, não apenas pela importância de seu país, mas também pelo temperamento provocador. A Casa Branca não conheceu, nem mesmo em tempos de guerra, um presidente como o atual, com tamanha vocação para patrocinar cisões e prosperar divergências. Situações, ao contrário, que os antecessores sempre pretenderam contornar. A Trump, nem a intempestividade de um Bush pode se ombrear, como constatam observadores internacionais e muitos de Washington, que não escondem certa preocupação com o destino de projetos dependentes de diálogos; pelo menos diálogos cordiais. 

Frente a esse quadro não falta quem indague, e até no Congresso Nacional, sem intenção de ironizar, mas com sincera curiosidade, o que o Brasil tem a ver com os passos de Trump; o que ele diz ou deixa de dizer. Pois tem, e muito, como têm todos os demais países, graças a um fato importante, para se registrar apenas um entre muitos: é o perigo de consequente desequilíbrio dos negócios comerciais. A política internacional, que oscila segundo a conduta e a palavra dos presidentes mais poderosos, afeta os mercados, num movimento que se pode definir como pendular: enquanto alguns se beneficiam, outros perdem. 

O que, então, deve preocupar e ser objeto de indagações é se estamos suficientemente preparados para sermos atores, na eventualidade de um possível novo quadro de divergências ou clima de precauções, resultante do jeito com que o presidente americano gosta de tratar o mundo.