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As crianças estão morrendo

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As responsabilidades que vão ser atiradas às costas do futuro presidente avolumam-se, quase na mesma velocidade com que se aproxima o dia de sua eleição. De tal forma que até causa estranheza a alguns analistas políticos o desejo febril desses candidatos, rumo a um conjunto de desafios, em geral, acima de qualquer boa vontade e de seus poderes pessoais. Diz-se que, psicologicamente analisados, eles correm para o abismo. Relevados os exageros e o pessimismo, seria leviano esperar que o sucessor do presidente Temer desembarque em Brasília, como no jeito de Josué, entrando na bíblica Canaã, terra do leite e do mel, onde tudo é ajustado. Mesmo que se deixe de lado o volume e a intensidade das previsões que não recomendam muito otimismo, é claro que se avizinha uma temporada de dificuldades, agravadas, se for o caso, pela frustração do sentimento de esperança que moverá os eleitores.

São repetitivas as expectativas. O futuro presidente terá ao colo problemas cruciais. Lideram a lista indesejável a saúde precária, o desemprego, a violência e os defeitos de uma economia que se fortaleceu, mas nega-se a estender seus frutos à população das classes média e pobre. Pode ser, ainda, que viaje no estribo dessas dificuldades uma outra cobrança, dependente do ritmo e dos calores da campanha eleitoral: a pacificação política, o que significaria, respeitadas as peculiaridades, reeditar o antecessor Prudente de Morais, que para isso consumiu tempo além do que pretendeu.

Na semana passada, neste mesmo espaço, o jornal deplorava resultados de pesquisas credenciadas, nas quais revelou-se a volta de doenças que supúnhamos erradicadas, ou, se não tanto, razoavelmente controladas. A repercussão alcançada, junto aos meios competentes, incluiu a faceta mais cruel dessa realidade: a mortalidade infantil, algo sinistro para comprometer a geração seguinte de brasileiros. Se as crianças morrem ou sobrevivem comprometidas com os sinais de doenças, cabe suspeitar da qualidade da geração seguinte.

Conclusão que corrobora o temor está na taxa de mortalidade infantil, que subiu em 2016, situação constrangedora que não víamos desde 1990. Segundo o Ministério da Saúde, a epidemia do vírus da Zika e a crise econômica podem explicar o crescimento desse índice, que toma por base o número de óbitos até um ano, a cada grupo de mil nascidos vivos. Quando vierem os dados do ano passado, de certo que o quadro não seja mais animador.

Este indicador social, que também vai para a bagagem de heranças do futuro presidente, é assustador, pois demonstra a falta de efetividade das políticas públicas governamentais, independentemente dos presidentes que estiverem de plantão em Brasília. Vale a oportunidade para lembrar uma história ligada à obra da notável doutora Zilda Arns, que no início da sua carreira na medicina já se impressionava com o volume de crianças internadas com doenças de fácil prevenção, entre elas a diarreia e a desidratação. Especializou-se em pediatria, justamente para atuar nesse segmento. Sua preocupação foi sentida, e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil decidiu confiar-lhe, em 1983, a organização da Pastoral da Criança, atraindo milhares de voluntários que estenderam a comunidades pobres os conhecimentos elementares sobre saúde, nutrição, educação e cidadania. 

A campanha não foi suficiente para sensibilizar os governos seguintes. Os números denunciam e evidenciam o modesto aporte de recursos para a prevenção de doenças que se relacionam com o empobrecimento da população. A bem pensar, o problema tem passado batido nas plataformas políticas. E pode ser que continue desfrutando desse descaso.