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Os tentáculos da violência

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A cada relato sobre a violência urbana, que oscila, algumas vezes com resultados menos trágicos, mas nunca deixando de prosperar, a sociedade se vê instada, e, ao mesmo tempo, desanimada para mergulhar nas razões produtoras desse mal. Porque são muitas as fontes causadoras, o que, seguramente, contribui para preocupar os estudiosos, principalmente  os governantes, pois a esses, no fim da contas, há de caber papel saliente na construção de uma sociedade mais justa, menos agressiva; e ela nunca terá um mínimo de justiça sem que haja paz. E vice-versa.

A divagação inicial conduz a reconhecer que buscar a gênese da violência que está dominando os grandes centros é o mesmo que mergulhar num oceano de muitas e diferentes águas. Ela é aquela filha demonizada que nasce de complexas fontes; uma delas, com toda certeza, a cada vez mais reduzida empregabilidade, onde a inteligência e o braço humanos vão cedendo espaços aos sucedâneos tecnológicos. Os desempregados expulsos do mercado de trabalho e os que a ele nem conseguem chegar arrastam as famílias para o clima de desassossego. São potenciais candidatos à prática de crimes. 

Outro fator, que veio envelhecendo e se agravando, décadas seguidas, está na fuga empreendida por milhões e milhões, que não tiveram como manter suas raízes no interior. Ali, se sobrava emprego, faltavam escolas para gerações jovens emergentes e o atendimento básico à saúde de quem envelhecia. Um quadro que se aprofundou nos anos 50 do século passado: ao mesmo tempo em que do Nordeste se fugia da seca, do resto do Brasil interiorano fugia-se de tudo. Problema seriíssimo, que veio desafiando sucessivos governos. A violência também foi morar e prosperar no seio desses inadaptados.

Não tão velho, mas que se torna particularmente delicado pelo envolvimento de questões de natureza ética e moral, sem que lhe falte conteúdo religioso, é o desafio do crescimento demográfico descontrolado, ao qual se associam, invariavelmente, os maiores índices de violência. Depara-se aqui com uma conclusão que não admite restrições, pois é fato histórico comprovado: a próspera densidade demográfica é fenômeno umbilicalmente ligado aos setores mais pobres da população. E onde a pobreza é maior, surgem conflitos entre pessoas. Sem contar que é nesse cenário que avulta o tráfico, o grande agenciador do serviço imprevidente dos necessitados. 

Setores mais conservadores, dentro e fora das igrejas, não contribuem para reduzir os efeitos do problema, ao confundir controle populacional compulsório, como ousou o governo comunista da China, com planejamento familiar consciente, seja pela via dos recursos anticoncepcionais, seja para educar e respeitar os períodos infecundos da mulher. Nada de proibir a proliferação, mas, sim, orientar os pobres que não querem ou não podem ter muitos filhos. É um direito que não cabe  exclusivamente aos casais ricos. Prolifera-se sem responsabilidade, como explicou conceituado demógrafo inglês: se o primeiro filho é amor, o segundo é hábito, o terceiro é distração; a partir do quarto é loucura. 

No mês próximo, a intelectualidade católica estará debruçada sobre os 50 anos da encíclica Humanae Vitae, do Papa Paulo VI, que tratou do valor da procriação, a lei moral natural, a regulação da fertilidade. Passado meio século, com um mundo tão diferente daquele, seria oportuno que o sábio documento fosse lido à luz dos novos tempos, e dele se extraíssem ensinamentos atualizados. Para os meninos que nasceram em 1968, os pais não precisavam se desdobrar tanto, como hoje se desdobram, para dar boa educação, roupas mais adequadas, internet, planos de saúde e entretenimento. Exigências impostas pelo mundo, em dimensões tais que se tornaram indispensáveis.

Tudo concorre, a um só tempo, para acolher, em diferentes graus de inserção, os variados tentáculos da violência. As soluções não podemos tirar da cartola dos mágicos, mas é bom refletir sobre elas.