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Tempo fretado no STF

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Fechou-se a semana, com a pauta do Supremo Tribunal Federal revelando certa tendência mercurial, isto é, cuidou tanto de questão elevada como de assunto de varejo. Foi do alto ou mais inferior. O momento maior coube à presidente, ministra Cármen Lúcia, ao fazer a apologia da liberdade de imprensa, que ela considera não ser apenas um derivativo da democracia, mas reside na sua própria essência. Em boa hora, para barrar arrotos dos amantes de regimes de força. Logo depois, o ministro Luiz Fux manifestou-se preocupado com fretes aplicados à atividade dos caminhoneiros, iniciativa relevante e adequada para as reuniões de agentes do governo e prestadores do serviço de transporte. Longe – com todas as vênias – de pautar aquela corte, à qual cabe o papel de exercer a cuidadosa guarda da Constituição, tarefa muitíssimo acima dos cálculos de custos de fretamento. Convenhamos. 

Casos dessa natureza explicam a definição de nosso Tribunal como o mais sobrecarregado do mundo. Contribui para tanto, sempre que os ministros abandonam a missão superior, muitas vezes prejudicada até pela proliferação das ações de inconstitucionalidade ajuizadas. Não que se pretenda advogar limitações ou reservas às competências da corte e de seus onze ministros; mas é de todo razoável considerar que há atribuições maiores que lhes são confiadas. 

Muito acima de problemas circunstanciais ou tangenciais, que não podem tomar o tempo de julgadores, em cujos ombros pesam deveres na última instância de julgamento.  

Há atribuições mais elevadas, entre as quais aquelas que o próprio ministro Fux proferiu ao saudar, recentemente, seu colega Celso de Mello: “melhoria dos indicadores sociais e redução das desigualdades, que remanescem ainda entranhadas na democracia brasileira”, ao par de outros deveres consagrados no papel seminal dos julgadores, como  dirimir dúvidas e conflitos, sempre intransigentes quanto a princípios superiores. 

Quando incorreram dúvidas, em 1988, sobre a dimensão da nova Constituição, sob o risco de se confundir em miuçalhas, o jurista Miguel Reale reagiu ao que chamou de “cenário de totalitarismo normativo”. O Supremo precisa reagir a tal constatação, depurando suas pautas. Reale e outros juristas, como também colegas do professor Luiz Fux na cátedra de Direito Processual Civil, opinaram, não como críticos empenhados em delimitar o campo de ação dos ministros, mas, verdadeiramente, em defesa deles, já que à instância superior, acima da qual não cabem recursos, devem ascender apenas interpretações e decisões que possam constranger a Carta Magna da Nação. Parece claro: a quem couber o maior dever, não deve chegar o menor, constatação que não impede insistir neste ponto: à planilha de fretes rodoviários, questão momentosa, não se deve negar importância, até porque tem vínculo direto com a economia e a política de abastecimento. Mas é tema inadequado ou impróprio para bater à porta de um ministro do Supremo. Não precisa chegar lá; mais impróprio, ainda, quando se protocoliza escorado pela necessidade de decisão urgente, relegando ou perpassando processos que, de fato, pedem o socorro da Constituição na interpretação de fundamentos substantivos ou para pedir a reflexão sobre temas paradigmáticos, que nunca faltam, e carecem de prioridade absoluta em relação a disfunções que perturbam. 

Para que se removam mal-entendidos e preconceitos em relação à questão dos fretes, vale assegurar que, antes de acima deles, se o propósito é oferecer um calço à economia do país, precedência maior, nesse campo, haveria de se conferir ao crime da exorbitância dos custos financeiros aplicados pelos bancos, porque esses, mais que tudo, acima dos fretes, sangram os direitos do cidadão, escravizam a produção, desmoralizam os poderes constituídos. E passam por cima da Justiça, sem que dessa ofensa escapem o Supremo, o ministro Fux e os demais julgadores, que com ele dividem as atribuições.