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Faltou blindar o Brasil

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No momento em que pretender oferecer à nação um balanço de suas legislaturas, e não faltará ocasião para tanto, os senadores e deputados deviam começar admitindo o fato de uma centena dos membros do Congresso Nacional ter figurado nas listas de suspeitos ou comprovadamente envolvidos em atos de corrupção, além de outras atividades difusas condenáveis. Um ato de honrosa humildade. Muitas denúncias, por conviverem com alguma dúvida, acabaram passando batidas. Não fosse isso, os envolvimentos criminosos seriam em maior número. Certamente. Mas há casos que estariam a exigir explicações mais sérias, salvas do espírito corporativista, como a singular tolerância em admitir entre os membros das duas Casas os que, processados ou condenados, continuam no exercício do mandato; os que, quando sobem à tribuna, ela desce. Graças a esses casos, nosso Congresso pode reivindicar para si um ineditismo nunca visto em outras casas parlamentares. 

Haveria uma forma de atenuar tão grande desgaste? 

Os desvios pessoais, ou se extinguem ou arrefecem quando se fecha a duração dos mandatos. O que Câmara e Senado vão continuar devendo, pois praticamente esgotou-se a oportunidade que o momento oferecia, é contemplar o país com um ordenamento mínimo de políticas que impeçam ou inibam a prática de corrupção. Porque ainda que os corruptos passem, e haverão de passar, a estrutura dos governos, seus ministérios e as empresas de economia mista, as estatais ficam, permanentemente, acessíveis a atos danosos aos interesses nacionais. Às máquinas que movimentam a administração não se cuidou de oferecer instrumentos de defesa contra agressões ao erário. A vulnerabilidade é ostensiva. 

Muitos são os campos que facilitam incursões, entre os quais certos modelos licitatórios, que toleram a adesão de interesses particulares suspeitos; como também, para afagar os maus, temos a inexistência de organismos de fiscalização mais eficientes. Basta lembrar que são raras, raríssimas, as iniciativas empenhadas em cobrar organogramas e fluxos de obras e serviços mantidos com o dinheiro dos contribuintes. Do começo ao fim, quando ocorre de serem concluídos, os projetos do governo acabam se abrindo, com a generosidade da omissão, a uma corrupção descontrolada. 

Como inexistem os desejados instrumentos de combate ao mal, há um outro ramo que prospera, também carente de ações defensivas. São os reajustes contratuais, concedidos sem rigores, e, por isso, estimulam empreiteiras a criar fortunas de origem criminosa. São conhecidos casos em que esses reajustes se agregam aos contratos sem maiores exigências. 

Ideal seria, portanto, uma política objetiva de controle, longe de contentar-se com a prisão dos bandidos que dela se aproveitam; mas que se abrisse guerra a essa corrupção, lamentavelmente institucionalizada; e que prolifera, em muitas faces, com expedientes diversos e uma infinidade de camuflagens. Porque ela tem muitas caras, como diria Carlos Lacerda, que governou a Guanabara no período 1960-65: desde a nefasta forma de desperdício até um certo jeito manso e sutil, quando ganha pontos ante a inércia dos governantes. 

É vasta a complexidade dessa doença que infelicitou o Brasil e se ramifica; entrou no organismo dos estados e dos municípios. E, de tal forma, que só poderia estagnar com o advento de um poderoso conjunto de ações depurativas. 

Eis no que o Congresso Nacional, na atual legislatura, ficará devedor da sociedade brasileira, longe de se dar por satisfeito com a atuação policial, porque esta prende, mas não tem como criar leis moralizadoras. Insuficiente trancafiar os criminosos nas celas da Polícia Federal, porque de lá sairão um dia para perseverar no crime; ou, lá morrendo, deixarão vagos os caminhos para outra safra de desonestos, artigo que nunca falta no mercado. 

Houvesse feito alguma coisa nesse sentido, o parlamento teria contribuído para o Brasil recuperar seu gosto de viver e, sem desânimos, continuar caminhando para o futuro. Faltou blindar o Brasil, senhores congressistas.