ASSINE
search button

Emenda fora de hora

Compartilhar

Com maior e sábia presteza agiu a presidente do Supremo Tribunal Federal, providenciando o sepultamento da exótica proposta que pretendia Emenda Constitucional para instituir o parlamentarismo, que, para ser adotado, suficiente seria esse breve recurso de alteração do texto da Carta Maior. O julgamento estava previsto para se inserir na pauta do dia 20. Com a decisão, a mais alta corte de Justiça soma uma oportunidade para reeditar reconhecimentos a que se creditou em dias gloriosos, inscritos na história das decisões mais importantes.

Passadas quase duas décadas em que surgiu a ideia, era tempo de se promover competente enterro, pois resta, mais do que provado e confirmado, que o sistema não tem serventia para curar crises do momento, como a que se vive hoje. Tempo também para se aprender isto: toda vez que o país enfrentou problemas, aparentemente intransponíveis pelos caminhos do presidencialismo, as lideranças recorreram logo à ideia do Gabinete e do primeiro-ministro. Acabou viabilizando-se em 63, numa precipitação, cujo pecado principal foi atirar ao fogo do casuísmo o melhor dos caminhos: sempre o melhor caminho, desde que não seja apressado e precipitado. 

Confiar aos deputados e senadores tamanho encargo seria doloroso descuido; afora a experiência a nos mostrar que, sendo realmente o mais adequado para o futuro e para a democracia, tal como ocorreu na maioria dos países avançados. Mas o parlamentarismo pode ser tudo, menos panaceia para curar dores e enfermidades momentâneas, como se pretendia no receituário agora recusado. O sistema não se presta a isso, como havia se mostrado na acomodação do presidente Goulart, que assumiu e apenas cuidou de enfraquecer os primeiros-ministros, e logo retomar os poderes do presidencialismo. Tal se deu longe, na década de 60, e as consequência da aventura estão à vista. Em 93, outra tentativa, que se frustrou, como iniciativa corroída pelo açodamento. 

A proposta, se entrasse em julgamento, pois nem isso seria merecedora, pretendia dar ao Congresso uma atribuição constituinte emergencial, sabendo-se que nem os próximos deputados e senadores serão eleitos para arcar com responsabilidade desse vulto; muito menos os que hoje exercem mandato, porque além de não terem, para tanto, o específico credenciamento da nação, acresce que a atual legislatura padece de invulgar desprestígio. E está para terminar.

A adoção do novo sistema, há tempos defendida pelos mais ilustres e categorizados constitucionalistas, haverá de resultado de decisão consciente do eleitorado, ao qual ainda não se prestou suficiente conteúdo de informação para optar. Uma campanha esclarecedora impõe-se, não apenas como contribuição dos partidos, mas também sob o patrocínio dos tribunais competentes; campanha que esclareça o que é capaz de distinguir as duas formas. Mais que necessário, agora e em qualquer época, uma jornada de conscientização, pois ainda hoje domina o raciocínio de boa parcela da população de que a formação do Gabinete seria abrir mão do poder de decidir e escolher o chefe, o presidente. Nada mais equivocado. Seu mérito maior – é preciso esclarecer – está na capacidade de enfrentar e superar crises, sem que para isso sejam afetadas as instituições, nem a Presidência, nos limites de suas novas atribuições. Ainda agora se viu na Espanha e na Itália: altera-se a formação do Gabinete, confia-se ao primeiro-ministro a escolha dos auxiliares imediatos. O presidente fica onde está. Sem acidentes de vulto.

Portanto, razões não faltaram à consciência da ministra Cármen Lúcia para arquivar a proposta de emenda, sem desconsiderar que ela desejou o melhor dos remédios, mas prejudicada no aviamento precipitado; defeituosa, por não prever, antecipadamente, a consulta ao povo, primeiro e mais importante condutor dos nossos destinos.