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Diálogo ou monólogo?

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O presidente Temer prefere definir seu modelo político como obra  persistente do diálogo, que o orienta, tanto no encaminhamento das questões de natureza política, como nos momentos que reclamam soluções no campo econômico. Insistiu na defesa dessa fórmula, ao receber, na semana passada, homenagem de líderes evangélicos, ao mesmo tempo em que insinuou ouvir vozes, hábeis conselheiras, a lhe recomendar orações. Nada tão adequado, pois as perturbações da hora outra coisa não haveriam de recomendar, que não a intervenção de Deus e dos santos. E, voltou a dizer: conversar sempre, sem recorrer aos instrumentos da força, ainda que em certas circunstâncias eles e a autoridade se tornem indispensáveis, acentuou a homilia presidencial. 

O exercício do diálogo, exitoso ou não, está presente nos antecedentes e no finalmente das questões políticas, além de ter frequentado, invariavelmente, a solução de todos os grandes conflitos armados. É o que hoje, e sempre, tem permitido dizer que o guerrear das armas e dos poderes faria bem se começasse exatamente por onde quase sempre termina; pelo entendimento da paz.

Na questão da recente greve que obstruiu as estradas, o presidente creditou à arte de dialogar a superação da crise, voltando a dizer que, para encontrar o melhor caminho, ainda teria recorrido à leitura, mesmo breve, que dedica ao Evangelho, onde, não apenas ele, mas todos os governantes procuram descobrir caminhos para as dificuldades. O que preocupa, contudo, é que muitas vezes a expectativa do diálogo cai no vazio do monólogo, como também facilmente se lê na sabedoria das antigas gentes das Escrituras. O episódio recente do desabastecimento revelou-se infestado de desencontros, de interesses em conflito. E omissões. Pessoas falando diferentes dialetos.

Ainda quanto a esse problema, que resultou em imensos prejuízos, valeria conferir: o entendimento da presidência com deputados e senadores nem sempre tem conduzido o país a bons resultados, porque, para que haja acordo, as conversações devem partir da avaliação dos interesses nacionais, e para eles convergir. Fora disso, o diálogo vira falso veículo, que não leva a propósitos sadios, mas se perde e fracassa, quando esbarra em outros interesses. Recorde-se que, recentemente, de nada adiantou o presidente dialogar, pacientemente, com o Congresso sobre a reforma previdenciária, que acabou relegada a um futuro incerto, mais difícil e menos adiável. Uma ginástica monologal.

O bem conversar com o Congresso talvez pudesse levar o governo, tempos atrás, a descobrir uma via capaz de compatibilizar preços do diesel com as reivindicações mínimas dos transportadores. Interessante perguntar, como sugere o momento, por onde andava o discurso  presidencial do diálogo no episódio da greve, quando faltou à bancada governista na Câmara dos Deputados uma contribuição objetiva; ou, pelo menos, um gesto de solidariedade ou gratidão ao Palácio, onde são invariavelmente atendidas as postulações parlamentares, não raro muitas absurdas. A bancada sumiu. No momento em que não lhe interessa o envolvimento, sabe como converter o diálogo em monólogo. O presidente fica falando sozinho, até que tudo se solucione. 

Aliás, nada de novo nesse tipo de comportamento entre políticos nos momentos difíceis. ”Contentam-se com monólogos alternados, cada um preso a si mesmo”, advertiu Raymond Aron, em seu “Polémiques”.  Norberto Bobbio, economizando palavras, diria apenas que dois monólogos nunca levam a um diálogo. Naquele planalto que permite Executivo e Legislativo se olharem como vizinhos muito próximos, o verbo monologar é o transitivo direto que ali se tem conjugado facilmente. 

A base parlamentar do governo tem se revelando primorosa na capacidade de não se comprometer, o que o leva a não contar, nos momentos mais graves, pelo menos, com a virtude da reciprocidade.