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Por trás da greve

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De fato, não ficou restrita ao campo de meras suspeitas a interferência dos interesses paralelos, que se associaram à greve dos caminhoneiros, para delas tirar proveito à custa de uma categoria de trabalhadores empenhada em campanha reivindicatória legítima e para contestar um governo que apostou na sua capacidade de abusar na especulação do diesel. Evidenciou-se logo que o Brasil teve de enfrentar, a um só tempo, uma greve e um locaute, esse patrocinado por empresários do mesmo setor, que, depois de se desvencilharem de escrúpulos, aproveitaram a onda, e com ela somar alguns pontos nos lucros, via abatimento de impostos. Não conseguiram, por muito tempo, permanecer escondidos sob a capa dos empregados que eles próprios haviam estimulado a encostar as cargas. O plano foi descoberto, levando a Polícia Federal a intimá-los em algumas dezenas de inquéritos. Estranho, antes de tudo, é que tivessem tempo suficiente para arquitetar, pois suas intenções já estavam sinalizadas há dias, sem que os homens do governo percebessem a manobra. Têm de ser chamados à responsabilidade.

A paralisação das cargas nas rodovias foi um acontecimento, por si só grave, causando enormes prejuízos à economia do país, sem que, para agravá-la, fosse necessário o concurso do expediente de aproveitadores. Na verdade, nada de novo, porque movimentos grevistas costumam sofrer danosas infiltrações, principalmente de políticos, que no momento certo oferecem apoio; e, quando o que lhes convém é apenas o resultado, sem comprometimento e independentemente dos meios, preferem agir nos bastidores da manifestação. No protesto dos caminhoneiros não foi impossível identificar os que apostavam no impasse e no tumulto, como também estiveram presentes dois outros tipos nefastos: os oposicionistas camuflados e os governistas omissos, que, mesmo em comportamento diverso, acabaram contribuindo para dificultar a solução da crise. Em momentos como esse, que começamos a enfrentar desde o domingo anterior, a omissão e as más intenções, escondidas ou salientes, sempre ajudam a piorar as coisas. Diz-se, com propriedade, que os aproveitadores quiseram tirar as castanhas do fogo com a pata de gato. 

É neste ponto que cabe indagar por que a bancada parlamentar do presidente Temer esteve ausente e descuidou em sua dupla responsabilidade: participação nas gestões destinadas a remover o impasse e defender o governo; o que nem significaria contestar as razões da greve, mas denunciar interesses paralelos, como os que se assentaram confortavelmente na boleia dos caminhões. É preciso descer as cortinas que, neste episódio, esconderam os políticos nos seus subterfúgios e nas coxias da encenação silenciosa.

Usados para conveniências que não eram as suas próprias, os motoristas profissionais não mereciam o tratamento aproveitador de maus empresários do setor. Da mesma forma como a população não podia ser condenada por eles a um sacrifício, que certamente haverá de perdurar por mais alguns dias, até que volte ao normal o sistema de abastecimento, tarefa custosa, se tomarmos em conta as distâncias, que tanto unem como separam este vasto país.

Mas oportuno considerar que não se pode esperar que tudo volte ao normal - o que seria desejo de todos -, para que os setores responsáveis comecem a pesquisar e refletir sobre a gravidade dos fatos circunstanciais que acompanharam esse longo protesto, considerando-se que foi a mais grave de todas. Nem mesmo idênticas manifestações, que, em nome das reformas de base perturbavam as vésperas da queda do presidente Goulart, ganharam a proporção que se sentiu nestes últimos dias. O que assistimos foi sério demais para que dele não se aprenda alguma coisa. Já se disse isso aqui.

Não apenas quanto aos trabalhadores e movimentos paredistas e os aproveitadores de situações, mas também frente aos interesses da população, os homens do governo precisam estar preparados para conviver com as surpresas. Elas gostam de se repetir.