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Uma célula para o terror

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Desde o mês passado, assiste-se à repetição, nas redes eletrônicas, de notícias e convites a brasileiros ou árabes aqui residentes, eventualmente interessados em participar ou contribuir para a criação, entre nós, de uma célula do Estado Islâmico, conhecida organização, ao mesmo tempo fundamentalista e terrorista, que tem carregado responsabilidades por imensa parcela do caos dos direitos humanos no Oriente Médio. Desconhece-se, pelo menos até agora, qual o nível de seriedade que as autoridades brasileiras pretendem emprestar a esse projeto, mas seria desejável que tal convocação não fosse definida apenas como coisa de gente maluca. Toda pregação que advogue a intolerância, que combata a convivência e o direito à vida tem de ser levada a sério; pelo menos, até que se revele improcedente ou irresponsável.

É provável que o máximo que se possa obter de um plano dessa natureza estaria na adesão de alguns aventureiros. Mas eles, embora maiores de idade, cidadãos em pleno gozo de seus direitos, precisam ser advertidos, pelos órgãos nacionais de segurança, para saberem que as adesões, ainda que meramente pessoais, também podem comportar complicações externas para o Brasil. De todo conveniente que brasileiros não tomem parte nesse empreendimento, permanentemente armados, que não se vexa, pelo contrário, orgulha-se de assumir a autoria de uma onda de terror e morte, como nunca se viu fora dos conflitos convencionais. Além de totalmente distante dos interesses do país.

Uma célula daquela organização é tudo de que o Brasil não precisa. Digamos até que nossa cota de sangue e sacrifícios já se cumpre com a violência que se institucionalizou e se espalha, a partir do Rio de Janeiro, para infelicitar outras grandes capitais. Há certos dias em que o balanço de nossa guerra urbana pouco fica a dever à crônica das tragédias na Síria, no lraque, e até em países africanos, onde a paz nunca existiu, muito menos agora com a chegada do Estado Islâmico, que ali reclama ser reconhecido como patrono da eliminação de populações inocentes.

Esse modelo de loucura está em desacordo com a índole nacional; e qualquer proposta que a ofenda merece repúdio e reação do governo. No caso presente, há que se ter em mente o fato de que o Brasil foi, e tem sido sempre, acolhedor dos cidadãos árabes, que para aqui vieram e não retornam aos territórios de origem, exatamente por serem amantes da paz, que ajudaram a preservar. Não por mera formalidade, mas sincera aspiração, que ainda se saúdam com o salaam-aleikum.

Não haveria como desautorizar tal constatação, pois para isso há que se lembrar que o país tem, atualmente, a maior residência de libaneses e sírios fora de seus países; são os construtores de uma colônia da qual grande parte de nosso progresso é devedora.

O Estado Islâmico recusa, mas nós desejamos, com fé e esperança, que diversidades étnicas e diferentes entendimentos políticos sejam a gênese na qual as relações humanas podem se aperfeiçoar. Um objetivo imenso, muitas vezes sinalizado timidamente, mas não tanto para desanimar. Toda vez que se der um passo nessa direção surgem esperanças de melhores dias para o mundo. Ao negar tudo isso, e responder com fogo e intolerância os que forem contrários aos seus métodos, a organização extremista nega os valores consagrados no Ocidente, que o Brasil subscreve. Os jovens convidados para a aventura de sangue precisam estar suficientemente informados sobre o risco de decepções, que, como se tem visto, não toleram recuos nem aceitam a desistência dos que lá não querem mais permanecer.