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Para entender Trump

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Na onda da novidade que surgiu em nossas relações com os Estados Unidos, por obra e graça da curiosidade nacional sobre responsabilidades pessoais e institucionais dos generais Geisel e Figueiredo na execução de presos políticos, emerge outra questão, esta mais a ver com o futuro; nada com o passado, como o caso da ditadura de 64. Quanto ao futuro, é o desafio de esforçar-se para adivinhar, mesmo não sendo tarefa das mais fáceis, os rumos da diplomacia em relação ao governo Trump. É uma questão sensível, longe de perturbar apenas o Brasil, mas todo o mundo, notadamente os povos que mantêm relações historicamente estreitas com o governo americano. 

 Em relação às atitudes muitas vezes inesperadas do presidente, a indagação, que se universaliza, em meio a temores, é onde começa seu raciocínio objetivo e onde termina a encenação. Ou vice-versa. Em cena,  tem demonstrado habilidade para surpreender, o que leva muitos governantes a irem para a cama, sem saber a novidade que pode chegar de Washington com o despertador da manhã seguinte. O problema, a preocupar observadores internacionais, é exatamente o divisor entre atitudes estremas. Não é para menos, pois os riscos nas relações localiza-se exatamente no momento em que se rompe a confluência: sai o estadista, entra o ator. Mas, estando as dúvidas nas costas de ambos, no palco ou no gabinete, é nelas que permanece uma cota substancial das garantias da paz mundial. 

O que, afinal, mora no âmago do líder americano? Descobrir seu perfil psicológico, ainda que apenas em dose menor, será importante. No caso do Brasil, ainda é pouco o que avaliar quanto a interesses diretos, salvo casos isolados, como as recentes restrições na compra de aço. Mas acaba que outros interesses, os indiretos, também preocupam, pois não somos uma ilha isolada no largo oceano das reciprocidades. Nossos olhos têm de se voltar para o resto do mundo, particularmente para os outros lados da América, onde não faltam motivos para se preocupar com Trump, a começar pelo México, onde o sonho protecionista leva Washington à ideia exótica de levantar muro divisor na fronteira, decisão constrangedora para a convivência entre os dois povos, sem que faltem reflexos nas relações latino-americanas. Falta-lhe a apresentação de argumentos capazes de justificar a façanha. Seria frágil culpar a cocaína mexicana, porque, como disse um ex-presidente, à sombra de seu sombrero, o tráfico só será contido quando os americanos cheirarem menos. 

O muro é decisão que não deixa de ser corajosa, mas, em observada a  comunidade latino-americana, acaba contrastando com a hesitação da Casa Branca no trato com a crise da Venezuela, por exemplo. Titubeia e não avalia o papel dos países vizinhos. Compreende-se em parte: não seria aconselhável associar-se a iniciativas brasileiras, para não mover ciúmes da Argentina, como também não transferir a missão a Santiago ou Lima, para não levar desagrado às capitais maiores do continente. Indefinido, o presidente Trump ajuda a prolongar o impasse venezuelano, sem que seja preciso dizer que o país vizinho sedia, hoje, uma das maiores crises da democracia no mundo. 

Em tudo é possível identificar um pouco do temperamento do presidente, o mais prestigioso entre todos os líderes, o que amplia preocupações em relação ao seu poder de optar pela rota do afogadilho, que, no recente episódio da Coreia do Norte, acabou por resultar na projeção de um ditador sem maiores responsabilidade com o mundo. Trump construiu a respeitabilidade de Kim Jung-un, e certamente ainda não sabe o que fazer para desvencilhar-se desse incômodo.