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Cemitério de obras

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O governo federal não deve conhecer, mesmo que em números razoavelmente confiáveis, o volume de suas obras iniciadas sob a orientação dos diversos ministérios e que acabaram condenadas ao abandono, destino que lhes foi dado por rubricas orçamentárias insuficientes. Há cerca de dois anos, sem indicar exatamente os recursos de que se valeu para chegar a essa apuração, confessou que tais obras estariam em torno de 2.200. Para menos ou para mais, como se costuma considerar nas pesquisas eleitorais. 

Não dá para calcular o conjunto dos prejuízos decorrentes dos projetos interrompidos. E esse é um cálculo que nem o governo ousa fazer. Se o fizesse, não se limitaria ao que se gastou dos cofres do Erário, mas também os desempregos causados, além do comprometimento dos muitos serviços que deixaram de ser prestados, como hospitais, escolas e rodovias. Essas, não raramente descuidadas em vários estados, e, em alguns casos, com detalhes pitorescos, não fossem trágicos. Em Minas, onde situações semelhantes já foram objeto de comentário, há uma estrada cujo traçado se surpreendeu ao “mergulhar” em uma represa... Refez-se o projeto, ao custo de dinheiro e tempo perdidos.

As fortunas a serem consumidas para a retomada de centenas de construções, hoje cobertas por mato e ferrugem, estariam fora do alcance do Tesouro da União, não só para o atual, como para vários governos que se seguirão. Uma ou outra, isoladamente, poderia ser concluída. Mas a grande maioria, para não se falar da quase totalidade, perdeu-se definitivamente. 

Ainda tentando explicar quadro tão calamitoso, indispensável é questionar os critérios aplicados pelos ministérios para definir prioridades, partindo-se do raciocínio, pelo menos, em tese, lógico, que o prioritário associa-se ao indispensável; é o que se deve dizer da obra ou serviço que não permite ser relegado. Acresce considerar a ausência de fiscalização, contribuindo para o abandono inevitável. Isso posto, vem, em deplorável sequência, o dinheiro de uma nação pobre, correndo para o desperdício, ou -  sem novidade - para desvios que fomentam os dutos da corrupção, essa muitas vezes coautora interessada no desleixo que se verifica em centenas de canteiros de obras; canteiros que se assemelham a cemitérios, onde, em vez de placas, valeria instalar lápides, para mostrar que ali está sepultado um pedaço da incompetência dos desgovernos. 

Outro aspecto para contribuir no cenário sinistro está na utilização improvisada desses restos para abrigo de famílias sem teto, sujeitas aos inevitáveis riscos de desabamento. O abandono é o endereço da morte, como se confirmou em São Paulo, na semana passada. 

Não se trata, portanto, de um problema de grandeza inferior, se a ele se conferir o conjunto das dificuldades e dos prejuízos, os que já foram somados ao longo dos anos e os que estão por acontecer. Em uma próxima e desejável avaliação da robusta relação das coisas começadas e não continuadas, o governo pode, antes de tudo, sinalizar onde tão variado descaso põe em risco a vida das pessoas.