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O jogo da verdade

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A última eleição, apenas dois anos passados, deixou um fator preocupante, que não tem como escapar de reflexão, quando milhões de brasileiros serão novamente convocados às urnas. Em 2016, 27% dos cidadãos habilitados preferiram abster-se, anularam o voto ou optaram pelo branco. O que significa que 40,3 milhões desejaram não participar, insensíveis aos muitos apelos que os convidavam a fazer uso de uma das mais belas dentre as franquias democráticas. Fato passado, por que retomá-lo agora? A explicação certamente haverá de sustentar-se na justa preocupação de hoje, relativamente à repetição do processo, já agora não apenas para a escolha de prefeitos, porém indiscutivelmente mais importante, quando vai se tratar da escolha do presidente da República, da renovação da Câmara e parte do Senado. Não há como relegar a plano inferior a responsabilidade que aguarda o eleitorado. 

A oportunidade, portanto, justifica tais observações. Os candidatos têm o dever de estimular os cidadãos desinteressados ou descrentes, tão numerosos em 2016. Como? A via de mão única é entrar no jogo da verdade para a discussão dos destinos do país, sem enganações, sem fantasias ou promessas descabidas. Cobre-se deles, antes de mais nada, seriedade na pregação das promessas; sejam espontaneamente sérios, enquanto a legislação eleitoral não elabore regras capazes de garantir que, efetivamente, se cumpra o que se promete. Quando tal acontecer, os juízes e ministros passariam, antes mesmo dos eleitores, a dispor de instrumentos de coerção legal. Mas aí os tempos serão outros. 

A bem sentir, desejável, neste ano, é a contenção do abuso com os sofismas, já que a eliminação total de enganações escapa das possibilidades, mesmo que o aperfeiçoamento da democracia tenha permitido à sociedade identificar melhor candidatos que preferem falsear verdades. Mentira sempre houve, mas Von Bismarck dizia que ela tem três momentos gloriosos no tempo: antes das eleições, durante a guerra e depois da pescaria... Ainda que antiquíssima, sem maiores desânimos é preciso combatê-la; quando não mais, ao caminharmos para as urnas, sem guerra e sem peixes. 

No conteúdo dessa aspiração, conveniente também que as candidaturas evoluam para indicar soluções, sem se contentarem com o relatório dos problemas, porque esses, todos conhecemos, sobejamente, de longas temporadas eleitorais. A questão é como superá-los? Como traçar caminhos que levem às soluções? É o que não se vê, por exemplo no caso da segurança pública no Rio, distante de padrões mínimos reclamados pela população. Todos os candidatos querem solução, mas não dizem como obtê-la. Navegam no óbvio, culpam as estruturas e a ineficiência dos governantes, mas são incapazes de ir além das lamúrias. O que queremos são ideias e soluções concretas. 

O voto é instrumento de poder para a tomada de decisões; poder esse que se delega ao representante eleito. Por desconsiderar o valor dessa delegação, é que incorrem em equívoco o abstencionismo e a preferência pela anulação do voto. E quem receber a missão deve se sentir portador de imaginação, criatividade e disposição para o trabalho. A maneira de mostrar esse potencial ao eleitor é praticar logo o jogo da verdade. Eis uma realidade que se deseja ver presidir o pleito de outubro.

Incluem-se em tal expectativa as intenções de quem for disputar a Presidência da República. No caso, é de todo conveniente que nos debates televisivos eles sejam objetivos. Para tanto, poderiam contribuir as emissoras, que nesses confrontos têm priorizado o rigor do cronômetro, com o sacrifício das propostas e das diferenças entre os candidatos, esses também limitados aos cansativos pingue-pongues de segundos, cada um preocupado em elaborar ciladas e desconfortos para o adversário. 

Que nesse outubro, que vem chegando, prevaleça, antes de tudo e de todos, o primado da verdade entre quem dá e quem recebe o voto.