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Brasil para principiantes

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A profusão de anacronismos e peculiaridades acumuladas está a exigir que o cidadão e os estrangeiros que aportam no Brasil, confusos, inscrevam-se em curso intensivo sobre a radiografia do país para que possam entender alguma coisa do que, entre nós, aconteceu ou pode acontecer. O curso é imposição de altos escalões da política e da Justiça, considerando-se que nem sempre tem valor o que neles se escreve. Salvo no jogo do bicho, invenção do barão de Drummond, em 1888, para salvar nosso zoológico. Na aposta valia o que estava escrito, como ainda hoje vale. 

É preciso reaprender o Brasil, onde a corte maior de Justiça manda prender o condenado em segunda instância, para logo depois colocar em dúvida o que havia decidido. Reabre discussão sobre matéria vencida. E os tribunais, maiores ou menores, vão se confundindo na berlinda, depois de loucas cirandas. A delação premiada, que deve ser mero ponto de partida nas investigações, tende a tornar-se sentença condenatória. Juízes e políticos escorregam para cima. O delegado prende, o juiz solta. O dito pelo não dito. 

Deputado condenado, depois da fartura de provas, é preso, mas continua no exercício do mandato, sob o pitoresco de integrar a comissão que discute o Código Penal... O que é absolutamente incrível. O jogo continua proibido, mas a Caixa Econômica é o pano verde oficial, sobre o qual todos os dias pratica-se a loteria de sorte ou azar, recolhe milhões e milhões de reais sem que lhe sejam cobradas notícias claras quanto ao destino dessas fortunas.

O estado é laico, mas nem tanto. Adora um feriado religioso, e, podendo, junta um ponto facultativo de véspera, para o fim de semana prolongado. Ninguém é de ferro. O facultativo não faculta, pois o serviço público dá-lhe rigorosíssimo cumprimento, impedindo o trabalho. Laico, mas vige a Lei 6.802, de 30 de junho de 1980, que torna feriado nacional o 12 de outubro, “para culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida”. Nada tendo a ver com teocracia, o governo oferece tratamento privilegiado, no Congresso Nacional, à poderosa bancada evangélica, e concede numerosos canais de TV, exclusivamente para  a pregação pentecostal. 

O Brasil é contra a pena de morte, o que não impede que seja aplicada com frequente rigor, a começar pelas execuções em massa nas favelas. O sinal verde no trânsito, apenas indicador de passagem liberada, é mandado de execução para quem dele descuidou. Se o motorista estiver embriagado e avançar sobre o vermelho, melhor para ele, pois será solto rapidamente e responderá pelo crime, em liberdade. Se matou, dentro de quatro ou cinco anos a Justiça vai chamá-lo, mas o esquecimento o absolve, podendo, contudo, ser condenado a pena comunitária: a morte compensada com uma cesta básica para o abrigo mais próximo. 

A camisa, que tem todo direito de estampar 100% negro, já teve estudante condenado por prática de racismo, quando vestiu uma com a inscrição 100% branco. 

Muitas estatais, agora tiradas da sonolência para frequentar com assiduidade o noticiário, graças à Java Jato, conseguem o que a sensatez não é capaz de entender: elas planejam o que não executam, e depois produzem relatórios sobre o que efetivamente não fizeram. Não vale o que está escrito. Da mesma forma como também perdem sentido as campanhas contra o tabagismo, que destinam grandes somas junto aos jovens, embora sem remover de um dos símbolos oficiais o vistoso ramo de fumo, nele mantido pela heráldica desatenta. Nada custa um curso sobre o Brasil e os homens que o dirigem. É aprendendo que se vive melhor.