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Procura-se um prefeito

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Haverá de caber a Deus, com todas as suas forças e misericórdia, a tarefa de ajudar o carioca a descobrir onde está o prefeito Marcello Crivella, homem  que, dizendo-se de fé, conseguiu o supremo milagre de desaparecer. Sumiu numa espécie de transubstanciação. E, se alguém o vir, que cuide de anunciar o paradeiro, em nome do bem público. Dizer isso pode parecer, à primeira vista, mero exercício de ironia, mas não há na história desta cidade um prefeito que tenha manifestado tamanha vocação, ou devoção, para a ausência e para o descaso, comportamento que conflita e se choca com os gritantes problemas que vivemos, desses que são verdadeiramente cusparadas na cara da população. 

O Rio assumiu o direito de se proclamar cidade abandonada, ao padecer de carências enormes, cada qual aprofundada no dia a dia, sob o olhar de paisagem do senhor Crivella. Onde estará sua excelência? Aonde foi? 

O jornal, procurando pinçar, no cotidiano, razões de críticas inquestionáveis, acaba de mostrar o padecimento de Manguinhos, onde o caos chegou a tal dimensão, que tem tudo para dispensar outros exemplos. Mas eles existem, e não menos sensíveis. 

Comecemos por pedir o testemunho de trabalhadores, servidores, estudantes e donas de casa, essa multidão obrigada a se valer do transporte coletivo. Não há quem discorde: esse serviço, um dos primeiros entre os mais essenciais, evoluiu da ineficiência para o descontrole total. O Rio, lamentavelmente, passou a ser citado entre as capitais mais caóticas no sistema de transporte. O desconforto e a insegurança dos usuários desses ônibus contrastam, em dimensão astral, com o conforto principesco notado nas viagens do prefeito. Ele, aliás, costuma, coincidentemente, estar fora nos momentos mais importantes da cidade. O carnaval e as tragédias dão o exemplo. 

Por outro lado, manda a justiça creditar-se ao prefeito Crivella algo de difícil concepção. Ele consegue, com monumental omissão, fazer o Rio ter serviços de saúde piores, se comparados com outros centros. Os encargos na prestação de assistência e atendimentos são, de fato, divididos entre as autoridades federais e estaduais, mas é nas ações suplementares confiadas à participação da prefeitura que os problemas evoluem da ineficiência para a tragédia.

Em larga folha de omissões, ele também contribui para aprofundar a gravidade do drama dos moradores de rua. São milhares, esses deserdados, que, sendo vítimas do modelo social que se pratica, nem por isso podem ser relegados aos abandono total. Têm eles, na desventura do teto ausente, o mesmo destino das preocupações da administração municipal com a economia produtiva, aquela que gera impostos e abre empregos. Quando muito, o que dela se obtém é a cômoda transferência de responsabilidades: a União e o Estado não fazem; então, que as autoridades municipais deem as costas. Com isso, hasteou-se a bandeira do nada-a-fazer, porque o problema é com outros, ainda que o povo sofra as dores. 

Crivella revela-se jejuno em matéria de gestão. Longe a intenção de promover ressalvas de natureza pessoal, mas recorrendo à realidade dos fatos, é dever de consciência denunciar que ele não está à altura do Rio de Janeiro, cidade que, por sua grandeza histórica e, por força dos muitos problemas acumulados em desgovernos, tem tudo para exigir melhor destino. Certamente que ele já percebeu suas limitações, mas sem coragem suficiente para admiti-las. 

Quando muito, quando as cobranças se intensificam, acuado, apresenta-se como homem de fé e apela para Deus, sem temer que é exatamente na transcendência que não há perdão para os omissos. A se confirmar a sinceridade de sua crença, é possível que já tenha lido a advertência de Isaías: “Ai, de mim, que me calei”. Outros cristãos sentenciariam Crivella com o Sermão da Dominga: a omissão é o grande pecado que se faz, não fazendo.