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Descon?anças na urna

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A trajetória consolidada da votação eletrônica é um fato, a despeito de alguns especialistas alimentarem suspeitas quanto à sua lisura, e certamente por isso jamais o sistema tenha se tornado artigo nacional de exportação. Muitos países enviaram seus observadores, olharam, periciaram, procuraram aprender, mas não o suficiente para levá-los à adoção de nossa experiência com o voto. Concluem que, a par de poderoso investimento na implantação, restam dúvidas quanto à real capacidade de as urnas manterem a desejável invulnerabilidade. 

O Tribunal Superior Eleitoral já cuidou de avaliar as desconfianças, sem se convencer dos perigos de fraude, optando por acompanhar conclusões dos técnicos que apostam na seriedade do sistema. Sempre procurou ignorar os que, ao contrário, propõem correções, como garantia contra a vulnerabilidade, que consideram um fato real. 

Talvez uns e outros tenham alguma razão quanto a detalhes, mas, para se argumentar em favor da segurança mínima, o que se pondera é que um projeto de fraude, destinado a favorecer determinado candidato ou partido, só se justificaria se fosse praticado nos cômputos finais dos mapas que chegam aos tribunais regionais, nas capitais dos estados, responsáveis pela contagem dos votos e proclamação dos resultados. Não seria possível praticar tal projeto, coordenadamente, em centenas ou milhares de seções eleitorais, porque a burla criminosa exigiria imenso e impossível trabalho para se obter resultado de votos em cada região para um jogo final e perigoso. Seria o caso de fraude por atacado. 

Não se afasta a possibilidade de a discussão técnica sobre a votação eletrônica estar de volta, tal como se deu em véspera de pleitos nos anos passados. Que não sejam condenadas antecipadamente, porque divergências, quando se dão em um campo tão delicado, não podem ser recusadas. Na verdade, considerando-se ser um sistema de grande complexidade, há que se aceitar qualquer iniciativa tendente a aperfeiçoá-lo. Como, ainda agora, sobre a conveniência do voto impresso, a título de segurança para o eleitor. 

O atual sistema, que começou a ser implementado em 1995, deixou para trás, sem admitir arrependimentos ou retrocessos, os casos de desvio das manifestações das urnas, que eram habituais e viciosos. Para confirmar, dizia o senador Nélson Carneiro que, ”neste Rio de Janeiro não basta ganhar a eleição; é preciso ganhar a apuração”. As cédulas – é também de sua lavra – não eram apenas manuseadas, mas também manipuladas, segundo os interesses...

Muitos, além do senador divorcista, puderam atestar a rede de deformação eleitoral nos subúrbios cariocas, mas que grassavam, igualmente, como febre, nos rincões do coronelato do Nordeste e na zona rural de Minas, sem que faltasse criatividade na arte do engodo. Eram variados os expedientes, como os “fósforos”, assim cognominados os que votavam com título de eleitor falecido. Em Campo Grande, Realengo, Duque de Caxias e Baixada, o eleitor-fantasma ajudou a definir muitas biografias políticas. 

Essas relembranças pouco contrastam com os argumentos a que recorrem os desconfiados com a urna eletrônica. Se desvios foram possíveis no passado, por que não agora, sabendo-se que a tecnologia pode servir tanto ao bem como ao mal, tal como se viu, nesta cidade, há 36 anos, sob os auspícios da Procunsult? 

Os deslizes, demonstrados ou que se tornaram apenas objeto de imaginação, fazem parte do arquivo morto da política. A eletrônica deixou no pretérito as atas falsas do bico de pena das eleições da Velha República, quando o comum era se eleger quem o eleitor não queria ou não conhecia. O progresso sempre avança, e para melhor. O próximo passo já está chegando: a biometria na boca da urna.