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Hora de falsos milagres

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Estando em pauta o vasto elenco de surpresas que poderiam afetar as eleições de outubro, como a recém-citada campanha em favor do voto nulo, faz sentido reservar tempo e espaço para outro risco, não menor: a entrada em cena do messianismo, a bandeira dos chamados salvadores da pátria. São os que se hospedam nos palanques e diante das câmeras, não raro obtendo resultados favoráveis, fruto da desesperança que costuma atingir em cheio a parte mais sensível do eleitorado. De fato, é nas horas mais confusas, sem que faltem incertezas coletivas, que eles chegam, com miraculosas soluções para todos os problemas. 

É conveniente redobrar cuidados, tarefa que haverá de caber diretamente ao eleitor, porque, para tanto, os partidos nem sempre se revelam confiáveis; na maioria das vezes, tornam-se até patrocinadores solícitos dessas aventuras, pouco se importando com o engodo, pois o que vale é a corrida para o poder. 

Mas, ainda que sob camuflagem, há como identificar os “salvadores”. A começar pela preferência que dão ao monólogo, presos a si mesmos, avessos a diálogos produtivos. Projetam a imagem do monopólio das soluções. É o que os leva, quase invariavelmente, a se valerem do autoritarismo, tenha o viés fascista ou comunista.

O candidato que levanta a falsa bandeira de todas as soluções milagreiras, prometendo tomá-las num átimo do mandato pretendido, não arreda pé das falsas verdades absolutas que prega. Nesse ponto contrasta com os dialéticos, estes raramente avançando além do razoável e do possível. Com alguma frequência, também é capaz de defender procedimentos violentos na governança. Para tanto, caminha para o radicalismo, a pequena distância do terrorismo, que pode ser religioso ou laico; costuma ser ainda mais trágico quando opta por explorar a fé. É quando se lança na campanha que julga ser, nada mais nada menos, que um mero pastoreio. Como o mitológico Agamenon, que protegia o rebanho; mas também o tosquiava e o matava para comer a carne... 

Os candidatos com esse perfil, segundo estudiosos, fazem parte dos ciclotímicos e dos que, perigosamente, alteram humores, e por isso assumem a personalidade do déspota, fanático e frio, coisas longe de serem virtudes, mais ainda quando está em jogo o destino de um povo.   

Não faltam embustes, mentiras totais e meias verdades. Nas últimas campanhas para a presidência da República um dos temas expostos nos programas de televisão foi a globalização, demonizada, de acordo com o que parecia ser agradável aos ouvidos dos eleitores de segmentos menos informados.  Cruelmente, apresentava-se a globalização como enfermidade a ser eliminada com simples decreto. Solução laboratorial. Cruel, porque não se cuidou de explicar que o fenômeno da globalização, com todos os seus defeitos ou virtudes, corresponde naturalmente aos fluxos da história, longe de se submeter apenas a vontades políticas.     

Nada diferente do que se deu no Império Romano ou na ascensão do liberalismo. Não foi preciso o concurso intencional de um ou alguns políticos. A História se encarregou, com a virtude do moto próprio. Contudo, a verdade não foi suficiente. Levantou-se apenas o fundamento patriótico de ocasião, condenando-se ao fogo do tinhoso quem disso discordasse. Nada impede que essa e outra encenações bufas tentem se reeditar. Felizmente, há razões para acreditar que os brasileiros, se vacinados contra demagogia de varejo, terão como se precaver. 

Tenhamos em mente os agamenons modernos, que vão chegar prometendo defender a pela da pátria-rebanho, mas o que desejam é apenas cuidar da própria pele.