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Foro bem privilegiado

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Por mais que sejam maleáveis as pautas legislativas, sempre sujeitas à remoção dos processos, dependendo de conveniências do momento, foi bom saber que o Senado Federal promete reabrir, em maio, sem mais delongas, as discussões sobre o instituto do foro privilegiado, que não correrá o risco de ser extinto, como desejam alguns, mas realmente está a reclamar revisão quanto aos objetivos e sua extensão. Sem embargo de uma observação que parece procedente: por que esse tema não consegue chegar a um termo, sempre submetido a variáveis adiamentos, baseados em explicações superficiais, quando é tão claro seu objetivo: não permitir a banalização do uso para dar cobertura a agentes políticos, quando esses são chamados a explicar atos duvidosos? No Supremo Tribunal Federal, onde essa questão também chama a atenção de alguns ministros, observa-se que, desde janeiro, ela acaba transferida para pautas futuras. 

O julgamento de um delito que nada tenha a ver com o interesse público, cometido ao sabor de circunstâncias pessoais, deve estar reservado à primeira instância e à tramitação comum. São muitos os abusos, e, para não cometê-los, devíamos começar copiando o exemplo dos mesmos países em que geralmente gostamos de nos mirar. Mas é justo ressalvar que desvios na concessão de tal prerrogativa nunca foram modelo de exclusividade brasileira. O que nos difere em relação a muitos outros é que o foro de prerrogativa de função tem limites rigorosos, e os parlamentos cuidam de policiar os desvios. Sem concessões. Por quê? Porque o mandato não pode ser usado como instrumento de defesa para quem cometeu crime comum. Eis o porquê. 

A reabertura da tramitação, prevista para os próximos dias (dependendo do sincero desejo de definir a matéria), exigirá que se considerem os velhos e conhecidos artifícios, criados pelo engenho e arte dos deslizes de parlamentares, muitos deles usuais recorrentes à prerrogativa, quando se esforçam para explicar que suas delinquências comuns afetam a instituição a que pertencem. Tais artifícios são elaborados numa insolência que supera os limites. Houve caso em que se pretendeu recorrer ao foro privilegiado até para sufocar agressão doméstica. Em passado mais distante, noticiou-se sobre o deputado que pretendeu buscar abrigo à sombra do benefício para se safar do incômodo do senhorio, que teria ido à Justiça queixar-se do inquilino descuidado, que acumulou aluguéis não pagos. 

Se o tema avançar, cuidem-se os bem intencionados, porque uma das grandes causas a prejudicar o andamento é exatamente a indústria das demoras sustentadas em razões diversas. O debate acaba esbarrando, não raro, em questões levantadas e defendidas pelos que não admitem abrir mão desse poderoso instrumento de defesa pessoal, mesmo reconhecendo ser imensa a diferença que separa crime comum do crime contra o Estado. Em favor deste, a lei precisa ser mais zelosa quando se tratar de garantias ao agente do múnus público. É preciso dar clareza entre o que é justamente devido e o que se torna expediente indesejável no foro privilegiado. De uma vez por todas. E rapidamente, antes que as operações da Lava Jato estendam seus tentáculos a dezenas de políticos e suspeitos, e, preocupados, estão de olho vivo no sempre abençoado foro privilegiado, que tem vasta história de gentilezas, se concretizadas ou quando apenas acenam com tolerâncias.