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Abaixo o voto nulo

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Muros e paredes, que democraticamente aceitam tudo, nem escapam das pichações de mau gosto, já vêm servindo a campanhas anônimas em favor do voto nulo nas eleições de outubro; uma ação que, como sempre, resulta dos segmentos mais irados, convencidos de que a manifestação de preferências nas urnas é de todo inconveniente, e nisso receitam falso medicamento para atacar as dores sociais. Esse voto é o prato servido aos que não enxergam soluções, quaisquer que sejam as direções em que olhem. Todas as mensagens que lhes são propostas no processo eleitoral parecem falsas ou insuficientes. 

Há os que defendem com vigor a nulidade, sem estar ausente, entre eles, o consagrado José Saramago, em seu ”Ensaio sobre a lucidez”. O voto chamado válido perpetua o iníquo sistema político, afirma. Entendia o escritor português que o nulo é que traz a autenticidade desejada. Peremptório, ilustre procurador da Justiça em Minas Gerais pensa da mesma forma, lembrando que a cédula ou a tecla da urna eletrônica projeta uma solene farsa, nada mais sendo que instrumento de confirmação de privilégios. 

Em rota diferente, pontificam juristas e cientistas, assinalando que ao eleitor não cabe o entendimento de que nenhum candidato presta, num excesso de zelo cívico. Na verdade, a eventual recusa generalizada, mas comedida, é direito que se concede à opção pelo voto em branco. Mais aceitável, porque nesse caso pratica-se um voto ativo. O nulo, não, porque nele o que se observa é a condenação total, revestida de raivoso desencanto. Essa diferença entre um e outro, se fosse possível consagrá-la, já seria um passo importante para impedir ciladas a eleitores não suficientemente informados. Porém, os que, mais uma vez, lançam-se a favor da inutilização não querem perder tempo com esclarecimentos. Dão-se por satisfeitos usando os muros para estampar seu ideal. 

Há pouco o que fazer se a mensagem é descrença em tudo e em todos. Vale, entrementes, lembrar dois equívocos nos quais incidem os promotores dessa campanha: o primeiro é que não cuidam de elaborar propostas para o futuro, contentando-se em esbravejar contra o passado e o presente. O segundo equívoco é que, esperando atingir, indistintamente, todos os políticos, acabam atingindo a política, que nada tem a ver com os maus que dela se servem. Sendo assim, os agentes radicais nem cedem a um argumento conformista, ao qual muitas vezes o eleitor recorre: o voto no “menos ruim”, que, longe de ser aceitável, pelo menos não assume o ódio como ferramenta de manifestação. O entusiasta “nulista” deixa de lado e condena o gesto do voto, no qual se sustenta o Estado Democrático de Direito. 

Aos que, ao sopro dos desencantos, se sentirem animados com esse jeito de protestar, é de justiça serem informados que seu voto, optando-se pela nulidade, nem servirá para dar dimensão maior ao sentimento, a não ser breve figuração no cômputo eleitoral. Em nada altera, por mais numeroso que seja, pois o presidente e os governadores se elegem com 50% dos votos mais um. Como rege o parágrafo 2º do artigo 77 da Constituição Federal; o suficiente para condenar os nulos à insignificância e a perder identidade própria, misturando-se com as abstenções e brancos. Tal como se deu na estatística de 2016: todos, em cova comum, somaram 27,9%. Se for para se cobrar um gesto de seriedade no descontentamento que escolhe as madrugadas para ocupar muros em centenas de cidades brasileiras, que se recomende explicação mínima sobre a conveniência do voto, sabendo-se que o nulo está cabalmente demonstrado como inútil.